sábado, 26 de março de 2011



27 de março de 2011 | N° 16652
DAVID COIMBRA


Como é difícil não gostar

Já disse que não gosto do Philip Roth, ele e as chorumelas psicanalíticas dele. Todo mundo gosta, o Zé Pedro Goulart, a Martha Medeiros, o Tulio Milman, o Carlos Moreira, todo mundo. Então, me esforcei. Se tanta gente boa gosta, deve ser bom. Li alguns livros do Philip Roth, uns quatro. Foi uma dor. Sempre terminava irritado com as lamúrias dos personagens.

Não leio mais. Assim aquele sul-africano, o Coetzee. Ele ganhou o Prêmio Nobel, várias pessoas o elogiaram. A Claudia Laitano um dia chegou a suspirar:

– Ele é tããão bom...

Assim, antes de ir para a Copa da África, pus-me a ler livros dele. Bem parecido com o Philip Roth. Os personagens odeiam-se a si mesmos, por que eu iria gostar deles?

Não leio mais.

Virginia Wolf: o Tatata Pimentel a-do-ra. Clarice Lispector: o Verissimo é fã e até a conheceu pessoalmente, ela foi amiga do Erico e tudo mais. Então, lá me fui. Li livros delas. Umas depressivas. Tudo é miserável para essas mulheres. Piores do que Philip Roth.

Não leio mais.

Não foi fácil para mim reconhecer que desprezo esses autores até a náusea. Tenho tendência a querer gostar das coisas que as pessoas gostam. Respeito uma pessoa, ela gosta de algo, então quero gostar também. É uma forma de ser respeitado por aquela pessoa a quem respeito.

Compartilhamos do mesmo gosto, temos algo em comum, pertencemos ao mesmo clube. Demorei algum tempo até admitir para mim mesmo que não gosto de certas coisas que gozam de grande prestígio entre gente de prestígio.

O problema é que, quando digo que não gosto, acontece justamente aquilo que temia: a pessoa que gosta me exclui do clube. As pessoas ficam ofendidas quando você fala mal de algo de que elas gostam. Como se você falasse mal delas.

Ocorre que, tempos atrás, escrevi que não gostava de futebol feminino. E uma menina de 10 anos de idade, que joga futebol feminino, ao ler aquilo, chorou. Para minha sorte, a mãe dela, mesmo tendo me odiado pelo que escrevi, continuou me lendo. Leu a coluna de domingo passado, escreveu um e-mail para mim falando a respeito e contou sobre sua filha. Sobre o choro da sua filha. Fiquei arrasado. Respondi à mãe da menina que, quando escrevo, não quero fazer ninguém chorar, não quero deixar ninguém triste.

Minha intenção é tentar fazer algo de bom com algo que acho que sei fazer bem. Não corrigir o mundo, nem ser profundo como um Philip Roth, um Paul Auster ou um Coetzee, cruzcredo, mas talvez fazer alguém sorrir ou refletir sobre um fato da vida por poucos momentos.

Só isso. Fazer alguém chorar, jamais. Sobretudo uma menina de 10 anos de idade. Então, a partir de agora, declaro que amo futebol feminino. Mas, se meus amigos se ofenderem com meu gosto literário, lamento: não leio mais o Philip Roth.

Agora alguém fez um gol

A todo minuto tem alguém marcando um gol em alguma parte do mundo. É jogo de segunda a segunda, de manhã, de tarde e de noite. Quando se para de fazer gol no Brasil, começa-se a fazer gol na Alemanha; quando o juiz apita o fim do último jogo na Alemanha, outro juiz apita o começo do primeiro jogo no Japão.

Não foi sempre assim. Havia menos campeonatos, outrora. Sei disso porque vivi outrora. Vivi num tempo em que era Gauchão e Brasileiro e só. Lá muito de vez em quando uma Libertadores, um Mundial. Antes disso, creia, só tinha Campeonato Gaúcho.

Você imagina que era um Super-Gauchão, não é? Engana-se. Em 1949, um único árbitro apitou TODOS os jogos do campeonato. Era o famoso inglês Mister Cyril John Barrick, que ensinou os gaúchos a apitar futebol.

O Metropolitano, então o principal campeonato, era disputado por apenas sete times. Mister Barrick apitava três jogos por fim de semana. Um time folgava. Assim, o campeonato ia longe.

Hoje as pessoas sentem necessidade de assistir ao seu time jogar três vezes por semana, senão lhes dá coceira. Nos intervalos, debatem esquemas, o número de volantes, a atuação do lateral-esquerdo reserva, tudo isso em horas sem fim de programações de rádio e TV, em páginas sem fim de jornal e telas sem fim na internet.

Como o futebol rende assunto! Quem lê tanta notícia?, perguntar-se-ia o Caetano. Resposta: todo mundo lê tudo sobre futebol. As pessoas sentem necessidade de ler, ouvir, falar e ver futebol. Por isso, que ninguém se assuste: seja qual for o acerto que os clubes fizerem, todos os jogos serão transmitidos pela TV no Brasileirão.

Não há como ser diferente. O brasileiro, pode lhe faltar manteiga, arroz, feijão e pão, como diz a marchinha de Carnaval. Futebol, não. Sem futebol, o brasileiro faz a revolução.

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