sábado, 26 de março de 2011



26 de março de 2011 | N° 16651
CLÁUDIA LAITANO


Encantadores de gente

Antigamente, na língua portuguesa, existia apenas um tipo de encantador: o de serpentes. Muito comuns nas ruas da Índia e nos desenhos animados, os encantadores de serpentes usavam turbante e tocavam flauta para fazer a cobra sair da cesta – habilidade que, no Brasil, não escapou à malícia da música popular (“Lá na Índia/ Todo mundo sabe/ É mandinga do faquir/ Saber tocar a flauta/ E fazer a cobra subir...”) .

Hoje em dia, graças a uma tradução não muito confiável de uma expressão em inglês (“whisperer”), há “encantadores” para quase tudo: cachorros, bebês, cavalos, búfalos e até fantasmas.

O encantador nada tem de místico ou sobrenatural (com exceção, talvez, do encantador de fantasmas, por motivos óbvios), apenas domina de forma notável uma linguagem inacessível à maioria. O encantador combina técnica e talento, vocação e aptidão, mas também tem que ter sorte e oportunidade para exercitar seu dom inato.

Nos últimos dias, me ocorreu que existem encantadores de gente também, pessoas capazes de seduzir e atrair a atenção de todos como se dominassem algum tipo de saber secreto, transmitindo a cada interlocutor em particular a sensação de que fala especialmente para ele. Na semana que passou, três encantadores lançaram seu feitiço sobre mim:

1) O encanto pela voz – O teatro estava lotado, no último domingo, para o show de Milton Nascimento em Porto Alegre. A maior parte do público estava ali pagando tributo a algum tipo de memória afetiva. Milton não toca no rádio, quase não aparece na TV e há alguns anos pouco se fala dele nos jornais.

Quando entrou no palco, caminhando com dificuldade, era como se todos aqueles momentos embalados por Caçador de Mim ou Canção da América tivessem acontecido em um século muito distante – o que não deixa de ser verdade. Mas então Milton começa a cantar. No início, com a voz ainda frágil, oscilante. Aos poucos, ele cresce no palco, se agiganta, aproxima-se cada vez mais do intérprete mítico que repousa intacto na memória dos fãs.

A voz, apenas a voz – mas que voz.

2) O encanto pela oratória – Ele é só um político, ou seja, um sujeito que não concede um sorriso sem uma agenda de intenções. Cada gesto é calculado para ter o efeito desejado, e não apenas junto à pequena audiência que tem o privilégio de estar diante dele, mas de todo o mundo. O planeta é o seu palco – e ele se sente visivelmente à vontade em cena. Obama sorri como homem comum, mas fala como estadista. E como sabe falar esse homem.

3) O encanto pela beleza – Ela casou oito vezes: com playboys, atores e até com um operário da construção civil. No cinema foi dondoca, rainha, prostituta. Na vida real, roubou o marido da melhor amiga e depois casou duas vezes com o mesmo homem. Colecionou diamantes e ajudou a popularizar a luta contra a Aids.

Engordou, envelheceu, sumiu do cinema. Elizabeth Taylor permaneceu diante das câmeras por mais de 60 anos. Sabe-se quase tudo sobre ela. Mas para a geração dos meus pais ela permanece uma lenda: a encarnação de uma beleza tão mítica e rara quanto a cor dos seus olhos. Nenhuma diva é tão diva quanto uma diva dos anos 50.

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