quinta-feira, 24 de março de 2011



24 de março de 2011 | N° 16649
PAULO SANT’ANA | LETÍCIA DUARTE (interina)


Pinpoo e Alex

Antes que defensores de animais digam que sou insensível, me defendo: juro que também fiquei emocionada com a história do cachorro Pinpoo.

Depois de acompanhar pelo noticiário a comoção nacional causada pelo seu desaparecimento no aeroporto Salgado Filho, passei bons minutos de quinta-feira passada olhando a foto do animal faceiro, recostado no ombro da dona, num genuíno retrato de felicidade, quando ele finalmente retornou aos braços dela, depois de 14 dias, com ajuda de policiais.

Mas, diante da tamanha repercussão provocada pela saga do cão, foi inevitável para mim lembrar de outros temas tão ou mais importantes que nem sempre despertam a mesma atenção.

Lembrei, por exemplo, da história do menino Alex.

Antes de contá-la, queria recordar ainda do falso Pinpoo. Nesse episódio, a sensibilização foi tão grande que até o cachorro que foi confundido com o original acabou adotado, em uma rede de solidariedade que mobilizou milhares de pessoas pela internet e ganhou páginas e páginas de jornais pelo país afora. Bonito.

Pena que tantas crianças que não têm família, nem um lar de verdade pra chamar de seu, não conseguem ser adotadas com a mesma facilidade, nem causam tanta comoção.

E foi aí que lembrei de histórias como a de Alex. Que na verdade não se chama assim, mas ganhou esse nome fictício nas páginas de Zero Hora, pela necessidade de preservar sua identidade.

Conheci Alex em um abrigo em Ipanema, em 2005. Abandonado pela mãe no hospital, cresceu sonhando em ganhar uma nova família. Aos 10 anos, sentia-se um velho. Não gostava de fazer aniversário, porque a cada 3 de fevereiro via seu sonho ficar mais distante.

Sabia que 90% dos inscritos na fila para adoção desejavam bebês. Nem por isso desistia. Toda noite, antes de dormir, rezava baixinho para seu anjo da guarda reverter as estatísticas.

Ciente das dificuldades, fazia questão de dizer que não era bagunceiro. E que também sabia lavar e secar louça – e até limpar banheiro. Não tinha exigências. Para ele tanto faria se ganhasse uma mãe loira, morena, alta, baixa, rica, pobre.

Só gostaria que ela fosse “legal e simpática”. E também queria ter um pai, uma irmã, um primo, um tio, um vô e uma vó. E um cachorro, como aquele que via na casa de uma voluntária que o levava para passear em alguns finais de semana.

Quando sua história foi publicada em ZH, em janeiro de 2005, também choveram ligações. Mas aí o tempo foi passando, os interessados em adotá-lo hesitavam ao perceber que ele precisava de cuidados especiais devido a uma má-formação urinária, a comoção pública foi diminuindo. E Alex acabou esquecido.

Hoje, tem 17 anos e continua no abrigo.

Claro, não se pode comparar as duas histórias, nem pessoas com cachorros. Mas não deixa de ser sintomático que, em nossa sociedade, em geral, as pessoas se comovem mais com dramas de animais do que com crianças abandonadas, maltratadas, negligenciadas. Não deve ser por acaso, aliás, que anos atrás uma grande empresa de ração decidiu fazer uma doação de seu produto para crianças famintas na Etiópia, sob o argumento de que o alimento era muito nutritivo.

Por mais que eu goste da fauna, não consigo deixar de sonhar com o dia em que as crianças abandonadas causem tanta comoção quanto um bichinho sem dono.

O problema é que criança dá um pouco mais de trabalho. Bem mais fácil colocar uma coleira, dar comida e chamar de filho, não é?

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