quarta-feira, 16 de março de 2011



16 de março de 2011 | N° 16641
DIANA CORSO


Casamentos inesperados

Os amigos atônitos queriam saber se estávamos casando para usufruir de algum benefício legal, algum convênio. Não era o caso. Tampouco fomos pressionados por exigências familiares. Era teimosia, queríamos ter a condição de casal perante a lei e a nós mesmos e tínhamos pressa.

Já fazia algum tempo que havíamos juntado os trapos (naquela época isso era meio literal), mas o casamento era a autorização para sonhar a longo prazo, uma forma de afastar o fantasma da dissolubilidade iminente do vínculo amoroso. Já havíamos passado por uma separação, aprendido o necessário, sofrido nosso quinhão e bastava. Casar é um ato de rebeldia contra a fragilidade das relações, uma negação.

Os companheiros do movimento estudantil concluíram que havíamos entrado para o campo da burguesia, a família aceitou sem entusiasmo. Casamos num cartório feioso, os amigos reunidos num churrasco se cotizaram para comprar uma luminária, de papelão e pano.

As tias, às quais brincando eu exigi que trajassem longo, se vestiram de prenda e terminamos cantando tango, muito bêbados. Mais de um quarto de século depois, acho que deu certo, até agora pelo menos.

Neste fim de semana, fui ao lindo casamento de duas amigas, elas também viviam juntas há um tempo, mas desejaram formalizar. Na ocasião, com o casal de amigos que partilhava a mesa conosco, fizemos planos para o casamento deles, para ele, o terceiro, um filho de cada relação anterior. Se é certo que os casais gays se amam e unem contra tudo e todos, os casamentos após separações também encontram narizes torcidos.

Ambos são uniões fora dos padrões clássicos, graças a isso já nascem ao abrigo do ideal de perfeição, cada dia juntos é uma conquista, uma birra, não uma convenção.

Mas então para que casar? Minha geração apostava no fim dessa formalidade, que hoje se revela viçosa como nunca. A razão é que assim como precisamos do olhar dos outros para saber que existimos, os amores também precisam circular socialmente para consolidar-se. Não somente nossa autoimagem é mais “exo” do que “endo”, nossos vínculos também são.

Amores precisam da bênção, não de um padre, mas de todos os outros: pais, filhos, amigos e parentes, com quem também temos relações amorosas. Casar é escolher-se um ao outro, colocando-se esta relação acima de outros vínculos. É uma traição à família e aos amigos, por isso é preciso que eles celebrem e aprovem.

Eu aposto nessas relações que nascem no contrafluxo: praticam a tolerância mútua na cotidiana adaptação ao que nunca está onde deveria. Devíamos todos aprender com elas.

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