quarta-feira, 31 de outubro de 2007


JOSÉ SIMÃO

Halloween! Troca a bruxa pelo saci!

O bom de namorar com um saci é que, quando você leva um pé na bunda, quem cai é ele! BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

Halloween! Chama o Serra! Chama o Zé Serra Vampiro Anêmico! Hoje é Dia das Bruxas! Chama a Marta! Não precisa nem de fantasia. Só falta a vassoura. Rarará! E sabe qual é o endereço do Serra? Cemitério da Consolação, tumba 3, carneira 4!

E Halloween é coisa de americano. Bruxa é coisa do Bush! Aqui no Brasil tem um movimento pra mudar de bruxa pra saci. É verdade! Hoje é Dia do Saci!

E o bom de namorar com o saci é que, quando você leva um pé na bunda, quem cai é ele! E sabe o que o saci falou pra sacia? FICA DE TRÊS! Rarará!

E abóbora com vela dentro é coisa de americano. No Dia do Saci, abóbora só com carne-seca! Raloim com carne-seca!

E eu tenho umas amigas sapatas que todo Halloween elas dão uma festa chamada Rala-o-Hímen! Rarará! Sapatas arrasam no Rala-o-Hímen!

Efeito Argentina! Primeira-dama vira presidente! Dona Marisa pra 2010! Tendência mundial: Cristina Quiche, Hilária Clinton e dona Marisa.

A Hilária Clinton vai concorrer com o slogan: "Tomei Cornil, o chifre sumiu". E a dona Marisa? Alguém já ouviu a voz dela? Aliás, sabe por que a dona Marisa é muda?

Porque costuraram o nome dela na boca do sapo errado. Porque ela engoliu todos os esses do Lula! Porque o Lula é cego e surdo, e ela só pode ser muda!

Ou como disse um leitor: porque ela invocou o direito constitucional de permanecer calada. A nossa Hello Kitty. Diz que a dona Marisa é uma mistura de Marta com Joelma da banda Calypso! Rarará! É mole?

É mole, mas sobe! Ou como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que um amigo meu acaba de voltar da República Tcheca e disse que tem um papel higiênico chamado Grand Finale. Rarará! É o Brasil exportando o antitucanês. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Estanque": é o tanque que a dona Marisa esqueceu no apê de São Bernardo! O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E quem fica parado é poste!

simao@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

Orgulhosos, mas cegos

ZURIQUE - Por muito que passe o tempo nas estradas da notícia, por muito que o Brasil político convide ao ceticismo, já a caminho do cinismo, ainda assim há coisas que conseguem me espantar.

Exemplo: a nutrida comitiva de políticos brasileiros que, chefiada pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, veio a Zurique para a confirmação do Brasil como país-sede da Copa de 2014.

Se fosse disputa, vá lá. Mas para uma mera confirmação?

Até eu já sabia que o Brasil estava escolhido havia meses. De todo modo, o tamanho da comitiva acabou sendo o espanto menor.

Ao término da cerimônia oficial, aberta a sessão para perguntas, uma jornalista do Canadá, Erica Bouman, fez a pergunta mais ou menos óbvia sobre como o Brasil poderia garantir a segurança, em sendo um país perigoso, com grande número de mortes.

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, reagiu como se a pátria tivesse sido ultrajada. Desviou a questão para o tema da violência em outros países, o que é real, mas passa alegremente por cima do fato de que quem vai organizar a Copa de 2014 é só o Brasil.

Foi aplaudido furiosamente pela nutrida comitiva, como se tivesse resgatado a honra verde-e-amarela.

Pior: seus assessores puseram em circulação, como é de praxe no Brasil, uma teoria conspiratória. A repórter (da AP norte-americana) teria sido instruída por seu governo, supostamente interessado em assumir a Copa outorgada ao Brasil, se o país falhasse nas providências necessárias.

O técnico Dunga, um dos que espalhavam a suspeição, batia no peito, lamentava que os jornalistas brasileiros supostamente acreditassem na canadense (que, aliás, apenas apontava fatos reais) e reclamava:

"Temos que ter orgulho de sermos brasileiros". Tudo bem, mas temos também que ser cegos?

crossi@uol.com.br


31 de outubro de 2007
N° 15404 - Martha Medeiros


Prioridades

Acabei de ler Sobre Alice, um breve relato publicado pelo jornalista Calvin Trillin, da revista New Yorker, a respeito da mulher com quem ele foi casado por 36 anos e que faleceu em 2001.

É praticamente uma crônica sobre uma família feliz, uma história em nada excepcional, a não ser pela delicadeza e qualidade do texto - Trillin não é jornalista da New Yorker por acaso - e pela raridade de ver alguém descrever com tão bons olhos a intimidade doméstica, o que, nos dias atuais, não deixa de ser um alento.

Mas o que me fez mencionar o livro foi uma frase a respeito da criação de filhos. "As peças de escola foram inventadas, em parte, para dar aos pais uma oportunidade fácil de demonstrar quais são suas prioridades."

Semana passada estive no colégio Anchieta assistindo a quatro peças de teatro encenadas pelos alunos da segunda série do Ensino Médio. Minha filha fazia parte do elenco de uma delas. Perdi um jantar entre amigas, mas prioridade é prioridade.

No entanto, para além das obrigações familiares, foi um prazer absoluto constatar a capacidade criativa dessa gurizada de 16 anos.

Eles conceberam texto, cenário, figurinos e ainda deram um show de interpretação, demonstrando coisas que considero fundamentais para que um estudante encontre seu rumo: empenho, bom humor e mente aberta.

A platéia se divertiu e eles, no palco, mais ainda. Não houve angústia, tensão ou cobranças. Foi apenas uma celebração, como a vida tem que ser.

É ou não é um privilégio ser testemunha ocular desse aprendizado, mesmo que perdendo todos os jantares do mundo?

Na mesma semana, assisti também a Inimigas Íntimas, peça com Ingra Liberato e Fernanda Carvalho Leite. São outras duas que se divertem no palco e oferecem à platéia uma hora e meia de risos e alegria de viver, através de um texto esperto e talento sobrando.

A peça deve voltar em breve no Theatro São Pedro, fique ligado. Ingra e Fernanda ensaiaram tanto, que a estréia da peça parecia a comemoração de 10 anos em cartaz, tão amaciado já estava o espetáculo.

Prioridade, mesmo? É valorizar o bem-feito, valorizar as tentativas de bem-feito e valorizar o que ainda está por ser feito.

Dentro desse espírito "a vida é boa", estarei hoje na Feira do Livro, às 18h30min, autografando meu novo livro, Tudo que eu Queria te Dizer. Coloque a literatura entre suas prioridades e apareça.

Wel estou desde ontem em Satolep. Terra do Vitor Ramil, da minha amiga Ticcia do Blog Não Discuto. São ares da zona sul deste meu Rio Grande. Um excelente dia para todos nós, este que como todas as quartas-feiras é o Dia Internacional do Sofá.

Feliz Dia das Bruxas para todo mundo. Não creio, mas que elas existem ah se existem.


31 de outubro de 2007
Klécio Santos


A taça é nossa

Isso é que é diplomacia. A Argentina acaba de eleger um novo (ou melhor, nova) presidente - Cristina Kirchner - , e Lula apela para sua verve de piadista. Ao discursar na solenidade da Fifa que confirmou o Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, disse que o país vai fazer uma Copa para argentino nenhum botar defeito.

A deselegância com o país vizinho foi motivada pela euforia do presidente. Lula estava à vontade ao lado do cartola Ricardo Teixeira, de Romário, de Dunga e até do mago Paulo Coelho. A imagem do presidente erguendo a taça é a síntese de suas pretensões presidenciais.

Lula passará o resto do mandato surfando na onda da Copa, vai despejar dinheiro em obras de infra-estrutura e trabalhar como um mouro para eleger o sucessor. Aí volta nas eleições de 2014, em pleno ano da Copa que idealizou.

Mas Lula não é o único a se deslumbrar com os dividendos de um Mundial no Brasil. Marta Suplicy só aceitou o Turismo, um ministério de segunda linha, por causa da vitrina do torneio.

Também não foi à toa que uma penca de presidenciáveis se arvorou na comitiva, entre eles Jaques Wagner, Sérgio Cabral e Eduardo Campos. Até mesmo a oposição embarcou no trem da CBF, com os tucanos Aécio Neves e José Serra.

O que não faltam agora são promessas de obras, algumas até faraônicas, como a implantação de trens-bala. Mesmo que o Brasil não fique com a taça, quem sabe a Copa deixe como legado uma infra-estrutura hoje ausente no país.

O desafio é evitar a corrupção e o superfaturamento que costuma parasitar em investimentos desse porte.


31 de outubro de 2007
N° 15404 - David Coimbra


Meu colega assassino

Uma vez, um colega meu matou a mulher. Trabalhávamos na mesma sala, uns quatro metros de carpete a separar a minha mesa da dele. Não posso revelar-lhe o nome, óbvio. Já estava em idade provecta, tinha os cabelos completamente brancos e uma tosse de afogado. Fumava muito e tomava lá uns remédios que lhe davam sono.

Vez em quando, olhava para ele, ali no canto da sala, e o via cabeceando, piscando, piscando, até finalmente adormecer. Ressonava profundamente por alguns minutos, recostado à cadeira de trabalho, o queixo fincado no peito.

Todos nós, colegas, respeitávamos seu descanso e tentávamos não fazer barulho, falávamos baixo, andávamos na ponta dos pés, fazíamos pst para quem entrasse.

Esse meu colega era bem uns 30 anos mais velho do que a mulher. De repente, por algum motivo, começou a desconfiar que ela o traía.

Não sei se era verdade, mas suas suspeitas foram aumentando a cada dia e se agravando de tal forma que se transformaram em obsessão. Meu colega só pensava naquilo.

Um sábado qualquer, ele havia bebido um pouco a mais com os amigos durante o mocotó do almoço. Alguém lhe fez uma insinuação ou cochichou uma denúncia, sei lá, e ele decidiu que iria pôr fim ao drama. Saiu marchando para casa, entrou no quarto, abriu uma cômoda e tirou de lá o revólver. Berrava pelo corredor:

- Vagabunda! Vagabunda!

Há quem diga que ela, em vez de refutar, em vez de gritar por sua fidelidade e seu amor, o enfrentou e arrostou, nariz erguido:

- Corno.

E que foi por isso que ele se descontrolou de vez e desferiu o primeiro tiro, atingindo a mulher num ombro ou perna, algum órgão não vital.

Aí, sim, ela desesperou. Mesmo atingida, correu para a cozinha, tentando fugir. Ele foi atrás. Ela enfiou-se sob a mesa, ficou com as costas prensadas contra o azulejo da parede, encolhida, sangrando e choramingando.

Ele se abaixou, levantou com uma mão a toalha que em dias mais pacíficos o casal usava nos cafés da manhã, e descarregou o revólver.

Sempre me impressionou esse caso. Nem tanto porque eu trabalhava tão perto de um assassino, mas pelo perfil dele: tratava-se de um homem de boa cultura. A cultura e a educação, como se sabe, são antídotos contra a violência. De que forma, então, explicar a reação do meu colega?

Encontro a explicação agora, ao entrar nos estádios de futebol de Porto Alegre e constatar que, cada vez mais, há bestas travestidas de torcedores. Porque, quase sempre, os mais violentos não são os mais pobres e os mais incultos.

Esses destruidores do futebol, eles gastam dinheiro em bebida e em drogas, eles vestem camisetas caras, eles têm computadores e acessam a internet, eles combinam suas ações pelo orkut e pintam faixas com dizeres belicosos.

Não são despossuídos. Os despossuídos, os trabalhadores, os homens de verdade não têm tempo nem paciência para essas jericadas.

Os violentos, portanto, não são mocinhos que nunca sentaram num banco de colégio. Não. São apenas burros. Eis o que era também meu velho colega, agora o entendo: era instruído, mas era burro. E nada é mais poderoso, e perigoso, do que a burrice.


31 de outubro de 2007
N° 15404 - Diana Corso


Dia das Bruxas

Hoje é Halloween, no Brasil, Dia das Bruxas, ou, para alguns, Dia do Saci.

A data é originária do calendário celta, celebração de um momento em que os portais que separam vivos e mortos se abrem, possibilitando cultos, homenagens, rituais, festas e outros trânsitos.

Os americanos a transformaram num carnaval de tintas sinistras, góticas e noturnas, mas tudo isso se torna uma brincadeira de crianças. Gostemos ou não, essa festa vem pegando por aqui, tanto que o Dia do Saci é uma reação a isso.

O que os nacionalistas não perceberam é que não há como reduzir um dia de celebração mágica, macabra e lúdica, em que todas as representações da morte são bem-vindas, aos personagens do nosso folclore.

Aliás, nossa cultura carece de uma celebração festiva dos mortos, a criatura do gorro vermelho não se presta, sequer, para mensageira com o mundo dos que se foram.

O Halloween americano deve sua popularidade global a duas características: as fantasias sinistras, que decoram corpos e casas, e as brincadeiras infantis.

Nosso Carnaval de exportação, reduzido a um desfile de peladas rebolantes, privou-nos das fantasias, das máscaras.

Pena, porque colocar uma fantasia areja a alma, ajuda a esconder a identidade enquanto revelamos algum segredo. Mas as festas são diferentes, porque no Carnaval brincamos com o sexo, enquanto que, no Dia das Bruxas, tentamos zombar da morte.

Mas as gostosuras ou travessuras infantis revelam um outro monstro contemporâneo, representado por essas mimosas criaturas. Todas as crianças são travessas:

imperfeitas, resistentes à educação, ficam adiando o crescimento e se fazendo de bobas frente às lições, abrigam medos irracionais, sonham quando as precisamos despertas e se mantêm acordadas quando as queremos dormindo. Investimos tanto nelas que esperaríamos uma contrapartida de mais qualidade.

O Halloween se consagrou nos moldes atuais junto com o baby boom norte-americano, quando as famílias construíram bolhas de bem-estar para repovoar o país de cidadãos saudáveis, capazes de garantir a felicidade geral da nação.

O tiro saiu pela culatra e surgiram os adolescentes transviados e enfastiados, que demonstram a impossibilidade de controlar os filhos, por mais que se faça.

Se importamos essa festa é porque também temos medo de que nossas crianças descontroladas destruam tudo com suas travessuras infernais, como os Gremlins, do filme de 1984.

Além disso, por mais que coloquemos cultura instrutiva e pasteurizada na mamadeira das crianças, elas logo mostrarão seu guloso paladar para fantasias mais radicais, envolvendo também a morte.

Por isso, essa festa pagã necessita de um exército de monstros tão vasto quanto a imaginação humana pôde criar.

Combatê-los será tão infrutífero quanto queimar as bruxas na fogueira, já que, como se vê, elas sobrevivem. Além disso, o Saci, garoto travesso, seria o primeiro a se divertir nessa festa.

terça-feira, 30 de outubro de 2007


JOSÉ SIMÃO

Argentina! Quem manda é a mulher!

Direto da terra da Evita: não chores por mim, ó Cristina! Será uma nova Evita? Uma não, duas!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

Jogador Pinga do Inter vendido para o Al-Garahfa, um time do Catar. Então muda o nome do time pra Al-Cachaça! E bota o Lula como técnico! Rarará!

E continua a polêmica do perucão amarelo-capacho da Suzana Vieira! Misto de Mortícia Adams e Donatella Versace. É a nossa Mortadela Versace.

Mas ela tá parecendo mesmo é a Cuca do "Sítio do Picapau Amarelo".

Ops, do Capacho Amarelo! E direto da terra da Evita. Não chores por mim, ó Cristina! Cristina Kirchner presidente da Argentina! Será uma nova Evita? Aliás, duas. Porque o marido é vesgo, o Nestor Kirchner. Vesgo deve ser o alfaiate dele. Rarará.

E como disse um amigo meu: a Argentina tá parecendo a minha casa: quem manda é a mulher! Rarará!

E se a moda pega: dona Marisa pra presidente em 2010! A primeira primeira-dama muda! A nossa Hello Kitty. Já teria até slogan: "De mulher para mulher... Mariiiiiisa". Rarará!

E corre na internet a campanha "Corinthians Esperança". Ligue 0800-2727 para doar um ponto. Ligue 0800 para doar dois pontos!
E essa: "Beduíno é condenado a pagar 46 camelos por cantar mulher de outra tribo".

Essa pensão fantástica do Renan está inflacionando até o outro lado do mundo: 46 camelos por uma cantada?! Rarará!

E o Brasil é um país tão católico que tudo é batizado: gasolina, leite! E no caso do leite contaminado quem é capaz de ir presa é a vaca! Rarará! Deve ser o leite da vaca do Renan!

É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz o outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês".

Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em Sumaré, Paraíba, tem um restaurante chamado Restaurante da Cabrita. Aqui se come, aqui se fica. Rarará! Parece Dias Gomes. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Quiche": companheira mulher do presidente argentino que ganhou a eleição! Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Mais diálogo com o Brasil

BRASÍLIA - Não se esperem grande mudanças na passagem de um Kirchner a outro na Argentina, mas o governo brasileiro se diz otimista.

Aposta que a nova presidente -ou presidenta, como ela prefere- aprofundará as políticas do marido no plano interno e terá mais desenvoltura no plano externo. Ou seja: dialogará melhor com o Brasil.

Néstor Kirchner assumiu em meio a quedas de presidentes, instabilidade política e caos econômico, mas surpreendeu.

Não só conseguiu se segurar no cargo como estabilizou o país e fez a sucessora. Cristina Kirchner chega em condições bem melhores para maior desenvolvimento, industrialização e distribuição de renda.

No primeiro mandato do casal, a Argentina aproximou-se ostensivamente de Hugo Chávez, como fica evidente nas reuniões de presidentes da região -isto é, quando Kirchner resolve aparecer, o que não é sempre. Mas foi um movimento pragmático, já que Chávez comprou títulos da dívida da Argentina, uma mão na roda.

Desde a campanha, Cristina esteve muito mais para Lula do que para Chávez, e ela levou e deixou boa impressão de Brasília, reiterando que, para onde forem Brasil e Argentina juntos, a América do Sul irá. Na pauta bilateral, as áreas nuclear, espacial, aeronáutica e indústria de defesa em geral.

A pergunta inevitável é se a eleição de Michelle Bachelet no Chile e agora de Cristina Kirchner na Argentina poderá ter reflexos no Brasil. Qualquer resposta seria chute, mas há dois dados de análise:

1) o continente vive de ondas desde a populista, a militar, a neoliberal até a atual, dita de esquerda. Mulheres presidentes são a nova onda?

2) num cenário com um presidente forte como Lula e um partido sem candidatos como o PT, Dilma Rousseff é um nome. Por que não? A hora, porém, é de desejar sucesso para Bachelet e Cristina, e não apenas por serem mulheres.

elianec@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Mais diálogo com o Brasil

BRASÍLIA - Não se esperem grande mudanças na passagem de um Kirchner a outro na Argentina, mas o governo brasileiro se diz otimista.

Aposta que a nova presidente -ou presidenta, como ela prefere- aprofundará as políticas do marido no plano interno e terá mais desenvoltura no plano externo. Ou seja: dialogará melhor com o Brasil.

Néstor Kirchner assumiu em meio a quedas de presidentes, instabilidade política e caos econômico, mas surpreendeu.

Não só conseguiu se segurar no cargo como estabilizou o país e fez a sucessora. Cristina Kirchner chega em condições bem melhores para maior desenvolvimento, industrialização e distribuição de renda.

No primeiro mandato do casal, a Argentina aproximou-se ostensivamente de Hugo Chávez, como fica evidente nas reuniões de presidentes da região -isto é, quando Kirchner resolve aparecer, o que não é sempre. Mas foi um movimento pragmático, já que Chávez comprou títulos da dívida da Argentina, uma mão na roda.

Desde a campanha, Cristina esteve muito mais para Lula do que para Chávez, e ela levou e deixou boa impressão de Brasília, reiterando que, para onde forem Brasil e Argentina juntos, a América do Sul irá. Na pauta bilateral, as áreas nuclear, espacial, aeronáutica e indústria de defesa em geral.

A pergunta inevitável é se a eleição de Michelle Bachelet no Chile e agora de Cristina Kirchner na Argentina poderá ter reflexos no Brasil. Qualquer resposta seria chute, mas há dois dados de análise:

1) o continente vive de ondas desde a populista, a militar, a neoliberal até a atual, dita de esquerda. Mulheres presidentes são a nova onda?

2) num cenário com um presidente forte como Lula e um partido sem candidatos como o PT, Dilma Rousseff é um nome. Por que não? A hora, porém, é de desejar sucesso para Bachelet e Cristina, e não apenas por serem mulheres.

elianec@uol.com.br
Hotel mais alto do planeta, que está sendo construído
no coração financeiro de Xangai, na China, será inaugurado em 2008



Crianças comemoram a confirmação do Brasil como sede da Copa-2014,
no Rio; anúncio foi feito pela Fifa hoje, na Suíça


Juremir Machado da Silva

QUASE TUDO SOBRE O PATRONO

Faz mais de 25 anos que eu conheço o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre de 2007. Mas isso não é vantagem. Quem não o conhece? Antonio Hohlfeldt (levei cinco anos para aprender a escrever o seu sobrenome e ainda me engano) foi meu professor.

Também não é vantagem. Quase todo jornalista gaúcho formado na PUC nas últimas três décadas foi aluno dele. Não quero dizer que ele está velho.

Está maduro. Excelente professor. Um mestre. Culto, dedicado e intenso. Ensaísta, escritor, autor de livros infantis, jornalista e político, Antonio é polivalente. Foi o primeiro vereador do PT eleito em Porto Alegre. Depois, foi para o PSDB. Agora, está no PMDB.

Nesse percurso, passou de vereador a vice-governador. Eu gostava de vê-lo na faculdade com seus guarda-costas obrigatórios. Acho que andou ensinando teorias da comunicação para eles. Tinham ar de quem havia acabado de sair de uma aula sobre McLuhan.

Antonio Hohlfeldt é uma máquina de trabalhar. Dizem que dorme quatro horas por noite e que ainda levanta depois de 45 minutos para redigir um artigo ou ler algumas páginas.

Já dividi quartos de hotel com ele (não era o meu sonho) e, se não foi delírio, vi quando ele abriu um livro às 4h da manhã. Nunca vi alguém mais louco por páginas impressas. Volta das viagens carregado de volumes alentados.

Nas defesas de teses, no papel de examinador, cobra do estudante uma vírgula esquecida na página 233 ou um erro de concordância na 145. Nada lhe escapa. Lê de cabo a rabo. Quando se tornou vice-governador, continuou como professor na PUCRS. Virou meu subordinado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação.

Dei-lhe ordens implacáveis e tirânicas só para ver se ele, como segunda autoridade do Rio Grande do Sul, teria a coragem ou a arrogância de me desobedecer. Mostrou-se muito obediente e cordato. Posso colocar no meu currículo: dei ordens ao vice-governador.

A Feira do Livro de Porto Alegre sempre escolhe excelentes patronos. Antonio Hohlfeldt é um dos melhores por tudo aquilo que já fez pela cultura literária do Rio Grande do Sul desde os seus tempos de jornalista de Cultura no antigo (não é implicância) Correio do Povo. O homem era fera.

Andei lendo alguns dos seus textos e tirei o chapéu. De resto, ele continua mandando ver no jornalismo de Porto Alegre falando de teatro. É doido por qualquer tipo de dramaturgia. Já nos abandonou na metade de um jantar para ver uma peça. Gaúcha! Até cantor ele já foi.

Pena que ainda não pude botar a mão em nenhuma gravação com o seu timbre inconfundível, algo entre Cauby Peixoto e Tim Maia. A voz de Antonio é uma das suas marcas mais fortes. É um vozeirão. Quando ele sussurra, o prédio treme. Ou desaba.

Entre as muitas qualidades de Antonio Hohlfeldt, reconhecidas por todos, está a lealdade. Mesmo assim, aquela que me chama mais a atenção é a paixão pela cultura.

Ele tem sido um divulgador incansável dos valores culturais do Rio Grande do Sul, de Mario Quintana a Erico Verissimo, passando por Caio Fernando Abreu e Luis de Miranda. Poucas vezes gostei tanto de perder uma corrida.

Eu era 'patronável'. Fiquei muito feliz ao ser preterido. Antonio era o meu candidato preferencial. Continua sob as minhas ordens na PUC. Amanhã, vou mandar que trabalhe menos.

juremir@correiodopovo.com.br

Um excelente terça-feira, mesmo que com chuva como foi a segunda.


30 de outubro de 2007
N° 15403 - Liberato Vieira da Cunha


Recado de primavera

Não importa quem esteja passeando quem, mas uma das cenas mais triviais deste mínimo pedaço de Porto Alegre onde habito é composta por donos e seus cães. Não é preciso no entanto título de propriedade para saber quem passeia certo e quem passeia errado.

Os cachorros, em especial os habitantes de apartamento, requerem paciência, pois são dotados de uma atração irresistível pela superfície da Terra. Isso significa que seus narizes investigam cada centímetro quadrado de solo, seja um mosaico, um degrau, uma laje. Já nem falo em gramados, em árvores ou postes. Estes são objetos de seu desejo para outras finalidades.

O correto passeador de cães começa por não ter horário; uma excursão média pode durar de 30 minutos a uma hora e tanto. Isso significa que, mais do que uma guia, deve ser dotado de uma cumplicidade infinita, como a daquela senhorita que vejo agora desfilando seu poodle sob um milhão de flores lilases.

O tempo é dos jacarandás e eles iluminam em arco os céus desta rua vizinha. É quase inacreditável sua beleza. Pois a senhorita, quase tão linda quanto eles, passeia do cenário distraída, mas atenta a cada pequeno movimento de seu cão, como se fosse sua serva e vassala.

Sei não, mas desconfio que o mundo seria melhor se as pessoas tivessem olhos para um cão, para um jardim, para a explosão de cores dos jacarandás, ou para este sabiá que, desde a madrugada, compõe sinfonias para o universo.

Leio que graves acontecimentos sucedem, que a natureza está ameaçada, que nunca foi tamanha a violência, que a corrupção desconhece limites e fronteiras. São todas coisas sérias, como a miséria, a fome, a doença, as desigualdades.

Em nada vai mudar esse panorama no entanto se nos fecharmos para os pequenos grandes palcos que nos rodeiam.

Falo de uma senhorita e seu poodle; de uma rua protegida por um firmamento de jacarandás; de um sabiá que é sozinho todo um concerto. Falo deste recado que me mandaram e me fez notar enfim que é primavera.


30 de outubro de 2007
N° 15403 - Luís Augusto Fischer


História de um professor

Muito livro bom de comprar na Feira, que o senhor sabe que já começou, certo? Vou me limitar a sugerir apenas um, agora. Mas é um que vale muito a pena, pelos vários sentidos que guarda em si. O livro se chama Fernando Gomes: Um Mestre no Século XIX e é de Celia Ribeiro, com edição da L&PM.

O primeiro grande gosto: a narrativa nos transporta, delicada e competentemente, para o último terço do século 19 em Porto Alegre, para contar a vida do sujeito mencionado no título.

Nome de certa fama, já que está homenageado justamente como designação de colégio; mas seria um a mais entre os tantos nomes que desfilam na vida de alunos e de cidadãos em geral - Emílio Meyer, Coruja, Hilário Ribeiro, Apolinário Porto Alegre, Júlio Grau - como palavras mais ou menos vazias de sentido (os mencionados foram todos professores de grande papel na história de Porto Alegre).

Seria mais um, o nome de Fernando Gomes, não fosse o trabalho paciencioso, competente e, nota decisiva, amoroso que Celia Ribeiro desenvolveu, na pesquisa e na redação do livro.

Em tudo houve empenho pessoal da autora. Fernando Gomes, o professor cuja história se conta aqui, foi seu bisavô, o que pode ser interpretado como uma facilitação para o trabalho, mas pode também, vistas as coisas mais de perto, funcionar como entrave.

Quem de nós aceita o risco de ir atrás de figuras do passado familiar, com a disposição de encontrar talvez alguma surpresa não muito canônica pelo caminho?

Celia constatou, por exemplo, que duas de suas ancestrais foram "expostas", isto é, crianças que por algum motivo foram dadas para criação mediante aquele antigo artifício que a Santa Casa disponibilizava, exatamente para acolher filhos indesejados.

Foi nisso coragem, portanto, e também o gosto pela verdade, que deve estar sempre no coração de quem penetra na seara da memória e da história.

Nem precisa dizer que a Celia sabe escrever bem há muito tempo; mas vale a pena lembrar que seu metiê reside, habitualmente, bem distante do âmbito agora freqüentado, o relato de matéria histórica, coisa bastante diversa do comentário de comportamento. Ela mesma diz, em nota do livro, que teve medo de enfrentar a tarefa.

Pois saiu-se agradavelmente bem, muito bem: lê-se o resultado de seu trabalho como um passeio àquele mundo, que mistura luta pela vida, temporada no Rio de Janeiro para estudos, volta a Porto Alegre para instalação de escola, a relação profunda com vários alunos (alguns dos quais entraram para a história local, como Júlio de Castilhos), mais família e alguma política.

Aquele Fernando Gomes que viveu entre 1830 e 1896 ganhou vida nas páginas do livro, ficando à disposição de quem se interessa pelo passado que compartilhamos, na cidade de Porto Alegre. Um exemplo para outros trabalhos que nos contem as histórias dos maiores.


30 de outubro de 2007
N° 15403 - Moacyr Scliar


Livros e intolerância

Hoje à noite, na Reitoria da UFRGS, estarei dividindo o palco desta fantástica maratona cultural que é o Fronteiras do Pensamento com a escritora norueguesa Asne Seierstad.

Estou grafando o nome dela (que, informaram-me, pronuncia-se "Osne") de forma errada: falta um sinal gráfico, uma espécie de bolinha, em cima do A, e enquanto eu não tiver um teclado norueguês o erro será inevitável.

Mas é um alívio, para quem, como nós, tem de lidar com tantos acentos. Já imaginaram se, além da crase e do circunflexo, tivéssemos de colocar também bolinhas sobre as letras? Passaríamos o resto de nossas vidas às voltas com essa tarefa.

Asne Seierstad é autora de um dos livros mais comentados na atualidade, O Livreiro de Cabul (no Brasil, lançado pela editora Record), resultado de um período de três meses em que foi hóspede de uma família afegã, cujo chefe (e era chefe mesmo), o livreiro Sultan Khan, tinha duas esposas e cinco filhos. Baseada nesta convivência, Asne escreveu uma história em que imaginação se mistura com realidade.

Transformar pessoas reais em personagens de ficção não é um empreendimento isento de problemas, como o sabem os veteranos escritores, e no caso não foi diferente: o livreiro ficou indignado, processou a autora e acabou, ele próprio, escrevendo sua versão sobre o acontecido.

De qualquer maneira O Livreiro de Cabul é um best-seller, em primeiro lugar porque tem como cenário uma parte "interessante" do mundo. Tudo que diz respeito a Afeganistão, Iraque, Irã, atrai a atenção: são áreas de conflito, e conflito não raro sangrento.

Os chineses têm um ditado que diz algo como "Deus nos livre de viver em épocas interessantes", e isto porque épocas interessantes (ou lugares interessantes) em geral se traduzem em milhares ou milhões de vítimas.

Ficção e subjetividade à parte, o livro provavelmente expressa o olhar ocidental sobre sociedades tradicionais e fundamentalistas.

E o resultado, como sabemos, é espanto, seguido de desgosto e de revolta, sobretudo por causa da condição da mulher nessa cultura, uma condição que tem na "burca", aquele vestido que é uma verdadeira barraca fechada, o seu símbolo maior. A liberação da mulher não é uma questão cultural, é uma questão de direitos humanos.

No Brasil também temos uma história de discriminação, de opressão e de extermínio, coisa da qual índios e negros podem dar testemunho. Mas avançamos no caminho da democracia; temos o direito, e o dever, de exigir que outras sociedades façam o mesmo.

O livreiro de Cabul retratado no livro de Asne Seierstad é, sob muitos aspectos, uma figura excepcional: em parte por causa de sua profissão, mas certamente também por uma opção pessoal, fez o que pôde, na vigência de regimes repressivos, para preservar e difundir a cultura dos livros.

Cultura e informação são fundamentais para as pessoas. Como fundamental é a igualdade entre homens e mulheres.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007



Brasil S.A - Adeus esperança

Correio Braziliense
29/10/2007


Governo migra o discurso para justificar o crescimento da carga tributária

O debate sobre a prorrogação da CPMF e a reforma tributária fez o presidente Lula mostrar toda sua sagacidade. Aos poucos, introduziu novos tópicos no debate público e está mudando a visão dominante sobre a carga de impostos que é paga pelos contribuintes.

O consenso de que é absurdamente alta está sendo enterrado. No passado, o governo e até mesmo o presidente admitiram que era preciso contê-la.

Mas, pincelada a pincelada, Lula está pintando outra visão, mais permissível, que torna a carga tributária aceitável, até mesmo baixa. É o caminho para tirar mais dinheiro dos trabalhadores e das empresas.

O primeiro sintoma da mudança foi quando Lula advertiu que o Brasil “não pode ter medo de arrecadar mais”. Como se algum governo tivesse tido este medo... Pode ter outros: corrigir as distorções da estrutura tributária, enfrentar servidores que abusam da greve na cara dos ministros, enfrentar suscetibilidades e privilégios de políticos aliados, entre outros. De arrecadar mais, não.

A cada mês a Receita Federal anuncia um novo recorde de impostos pagos. Entre janeiro e setembro, o crescimento real (descontada a inflação) foi de quase 10%.

Os brasileiros pagaram R$ 435 bilhões em tributos de janeiro a setembro, volume inédito para o período. Todos os dias do ano choveram R$ 1,59 bilhão no Tesouro, inclusive nos finais de semana. Por outro lado, seu salário aumentou 10%, trabalhador? E o seu faturamento, empresário?

Outra cara

Em seguida, o presidente destacou que os impostos são necessários para sustentar os programas sociais, como o Bolsa Família. Mas esta não é a maior despesa do governo federal.

Nem de longe. A principal é a Previdência — aposentadorias e pensões —, seguida da folha de pagamento dos funcionários públicos e os juros da dívida pública, todas acima de R$ 100 bilhões por ano.

O Bolsa Família está na faixa de R$ 12 bilhões. Os investimentos públicos, cruciais para o país ser provido de uma infra-estrutura, pouco acima disso.

Há pouco mais de um ano, em agosto de 2006, Lula fez um discurso oposto. No dia 24 daquele mês, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, afirmou:

“precisamos trabalhar para melhorar a qualidade de nosso gasto, diminuindo as despesas de custeio para investir mais em infra-estrutura e ter condições de reduzir a carga tributária”.

E ainda: “precisamos ter juros menores e uma carga de impostos mais leves”. Será que aquele era outro Lula? Não, era outro momento, antes das eleições presidenciais. E outro governo.

Outra cabeça

No primeiro mandato, durante o período de Antonio Palocci na Fazenda, houve um debate sério sobre a carga tributária. Tinha outra visão de mundo. Ele chegou a propor, de forma ousada, a limitação das despesas do governo federal a 17% do PIB (Produto Interno Bruto). Seria um freio automático nos gastos.

O que excedesse o limite seria devolvido à sociedade com redução de impostos. O plano nunca chegou a receber um formato final. Nem detalhamento. Na verdade, nunca foi para frente.

Mas o aumento da carga foi. Guido Mantega trabalha com concepções diferentes. As reduções de alíquotas de impostos para setores pontuais, como forma de estimular os investimentos, é de um pragmatismo elogiável. No entanto, não faz parte de seu foco a queda da carga, que chegou a 34,23% do PIB em 2006, recorde.

Assim como havia sido em 2005 e 2004. Uma das primeiras coisas que anunciou é que não iria manter a proposta de limitar os gastos públicos. Ele também esqueceu que já falou sobre reduzir a carga tributária, mas seu discurso igualmente mudou.

Outra mágica

Agora, na discussão sobre a prorrogação da CPMF, o presidente faz trabalho de ilusionista. Diz que a receita anual de R$ 40 bilhões da contribuição é essencial para os programas sociais. E que haverá compensações no projeto de reforma tributária.

Só se for alguma proposta secreta de reforma, pois a que está sendo martelada pelo secretário de Política Econômica da Fazenda, Bernard Appy, — e ficou de ser enviada ao Congresso em setembro passado, mas ainda não chegou — não prevê redução da carga.

O que Appy disse é que será uma mudança para simplificar o sistema de arrecadação, não para reduzir a quantidade de dinheiro que o setor público suga da sociedade.

Da mesma forma, o ministro Mantega promete compensar no futuro o que vai receber agora da CPMF. Tem falado em redução dos encargos trabalhistas, mas de forma vaga. Não diz quanto, quando e como.

O governo abusa do momento para abdicar de compromissos assumidos publicamente. Como de não aumentar a carga tributária. Os empresários estão amortecidos com um crescimento econômico acima da média do país. Além disso, Lula sabe que parte das vendas da indústria e do comércio está sendo alimentada pela Bolsa Família.

Juntando tudo no discurso, desarma as críticas e joga neblina no tema. Na semana passada, durante a reunião com 100 empresários no Planalto, durante o debate sobre a carga tributária Lula teria exortado: “devemos ter lealdade ao país”.

Quando o excesso de impostos retira a competitividade do Brasil (como demonstrou a Fiesp no último estudo) e assusta investidores estrangeiros, onde fica a lealdade?


Quem, eu? Eu não!

Diego Escosteguy
Veja num. 2032 - 28/10/2007


O presidente da Anac, Milton Zuanazzi, quer provar que nada tem a ver com o caos aéreo

O caos deu novo sinal de vida nos aeroportos brasileiros na semana passada. Os passageiros que embarcaram em São Paulo e no Rio de Janeiro enfrentaram filas, cancelamentos de vôos e atrasos de até 24 horas.

Tudo indica que, ao contrário das vezes anteriores, a principal causa da confusão foram as fortes chuvas que atingiram a Região Sudeste do país.

Ainda assim, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, não perdeu a oportunidade de apontar sua artilharia para o presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi.

"A Anac continua naquela leniência que a caracteriza", disparou Jobim, insinuando que alguma coisa poderia ter sido feita para minimizar o sofrimento dos passageiros.

Jobim é bom de conversa, tem-se mostrado excelente em performances, mas o seu rol de resultados é quase nulo. Há três meses, pressiona o presidente da Anac a deixar o cargo.

Já escolheu até um substituto. Protegido pela imunidade das agências, Zuanazzi recusa-se a sair. Seu mandato só termina em 2011 e ele tem dito a assessores nas últimas semanas que renunciará quando conseguir provar ao presidente Lula que não é um dos responsáveis pela crise.

O presidente da Anac, curiosamente, parece ter-se fortalecido desde que Jobim assumiu o cargo de ministro. No ápice da confusão aérea, no fim do ano passado, Zuanazzi estava bem menos convicto do papel nulo na crise que agora se atribui.

Na semana passada, VEJA teve acesso a uma mensagem eletrônica enviada por ele à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a quem Zuanazzi deve a indicação para presidir a agência de fiscalização.

Redigida em um idioma muito parecido com o português, a mensagem foi enviada inadvertidamente a outros diretores da Anac no ano passado. Em seu trecho mais tenso, Zuanazzi coloca o cargo à disposição da ministra.

Escreveu ele: "Dessa forma, na hora que te parecer oportuno, estou te disponibilizando o mandato de presidente da Anac. Se não achares necessário, fica a informação que estou seriamente repensando minha permanência na agência". Incomodado com sua situação, Zuanazzi se queixava do comportamento de Dilma.

Revela que foi obrigado a ouvir calado "xingamentos" da ministra. "Em todo esse tempo, fiquei sempre com a sensação que me tratavas nem como chefe da Casa Civil e nem como amiga, e nem as duas coisas juntas.

Teu tratamento ensejava como (sic) se eu fosse um "devedor eterno" por ter sido indicado para presidir a Anac. Em nenhum momento senti qualquer proteção pela cumplicidade natural entre companheiros", escreveu o presidente da Anac.

Dilma Rousseff é a grande gerente do governo. Durante os piores momentos do apagão, ela entrou em choque em diversas ocasiões com Milton Zuanazzi, de quem cobrava uma ação mais rigorosa contra as companhias aéreas.

Zuanazzi ouviu várias vezes em alto e bom som a opinião da ministra sobre seu desempenho. Não deve ter ouvido boas coisas, pois chegou a cogitar da renúncia coletiva da direção da Anac. Todos acabaram saindo, menos Zuanazzi.

A pressão do ministro Jobim, paradoxalmente, parece ter-lhe dado energias para permanecer no cargo. Abandonado, ele se empenha em mostrar que a culpa pelo caos é do governo. Zuanazzi está montando um dossiê com as medidas – engavetadas – que ele sugeriu para debelar a crise.

Enquanto isso, para muita gente ele continua sendo o rosto mais conhecido do caos aéreo. Na semana passada, segundo o colunista Ancelmo Gois, de O Globo, Zuanazzi era um dos passageiros do vôo da TAM 3887, que fazia a rota Brasília–Rio de Janeiro.

Depois de esperar por uma hora para desembarcar, atraso justificado pela falta de escadas e ônibus, Zuanazzi foi abordado por um passageiro e, ainda de acordo com o colunista, travou-se o seguinte diálogo: "E aí, presidente, reclamamos com quem?". "Comigo é que não é. Vá ao juizado no aeroporto. Vá falar com a companhia!"

Pode até ser gaúcho, mas que é um grande cara de pau a isso é.


29 de outubro de 2007
N° 15402 - Kledir Ramil


Homem de laboratório

De todos os animais, o homem é o mais esquisito. É o único bicho que usa sapatos. Já escrevi sobre esse assunto, fazendo comentários do ponto de vista histórico.

A fase que estou vivendo agora é mais científica. Tento descobrir através da biotecnologia, como as alterações genéticas podem ajudar na evolução das espécies.

O homem já evoluiu bastante desde o tempo em que desenhava bisontes nas cavernas, mas algumas coisas podem ser melhoradas. A primeira atitude que eu tomaria seria raspar o cabelo de todo mundo. Cabelo é apenas um adereço, um elemento de decoração. Dá trabalho e despesa. Em especial, o das mulheres.

Orelhas. É estranho que a concha auricular seja virada pra frente, já que há sons vindo de toda parte. Precisamos um aparelho auditivo multi-direcional para podermos apreciar o mundo em 5.1. Uma solução prática seria cortar fora cada orelha e deixar apenas o furinho do ouvido.

Dizem que o homem tem duas orelhas e uma só boca para ouvir mais e falar menos. Infelizmente tal sabedoria não é levada a sério. Acredito que seja porque a boca é uma abertura exagerada, difícil de controlar. O jeito é diminuir o tamanho, usando como padrão a largura de um garfo. É o suficiente.

O nariz está sobrando. Aquela protuberância só atrapalha na hora de beijar. Vamos eliminar e manter o que interessa, as duas entradas de ar. Nossos olhos são muito pequenos, isso sem falar dos orientais. Sugiro aumentar o globo ocular e a capacidade de resolução em pixels.

O cérebro, com certeza, precisa crescer. Como só se consegue usar 10% mesmo, a idéia é: maior massa encefálica, maior participação em numero de neurônios que trabalham. Para isso, vamos precisar de uma cabeça maior.

Com essas primeiras alterações, o homem vai ficar parecendo um ET. Careca, zolhudo, cabeção... Tudo bem, perdemos em beleza, mas ganhamos em funcionalidade. E, mais inteligentes, vamos conseguir resolver problemas como o aquecimento global e o descontrole do tráfego aéreo brasileiro.

Várias parte do corpo humano são uma incógnita para mim. Por exemplo, a vesícula biliar, o apêndice e aquela quantidade absurda de intestino grosso. Pra que tanta tripa?

Pra que servem as unhas? Os artelhos? Os pêlos pubianos? Por que dois pulmões se o ar entra por uma traquéia? São coisas que, um ignorante como eu, não consegue entender.

Mas a questão central, a dúvida que angustia e persegue todo ser humano através dos séculos, continua sendo a mesma: por que, meu Deus, por que o homem tem tantos dedos e só um pênis?

Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana. Hoje a noite, estarei postando de Passo Fundo e amanhã, se possível, estarei postando de Santa Maria da Boca do Monte. Tomara que sim.


29 de outubro de 2007
N° 15402 - Wianey Carlet


Inter, ex-time

Um caipira, no interior de Sorocaba, poderia diagnosticar:

- O Inter é o time da fartura: farta treinador, farta atacante, farta pegada, farta quase tudo.

E estaria certíssimo. O que é que o Inter tem e mostrou em Curitiba, contra o Paraná? A defesa não é fraca, mas se a bola não pára na frente, o meio-campo é um ajuntamento de burocratas, e o ataque é formado por fujões de área, o que é que sobra? Falar sobre jogadas padronizadas é de provocar risos.

Tudo isto é tão comum como cobra de suspensórios. Não pode vencer um time que tem um atacante como Gil, que não entra na área, faz de conta que está lutando na zona morta do campo e chuta a gol quando não existe nenhuma outra alternativa.

Pode fazer gols uma equipe cujo segundo atacante, Fernandão, se posiciona da intermediária ofensiva para trás e fica dando toquinhos com a sonolência de uma vovó depois do almoço? É possível a um time vencer sem chutar contra o gol adversário?

Que me desculpem os colorados, mas, neste momento, o Inter é um ex-time, e a sua maior grandeza futebolística, hoje, está nos discursos. Nada mais. Não falo sobre as substituições porque o torcedor colorado merece respeito. Pelo menos por parte de quem comenta futebol.

Emoções

Grêmio e Náutico protagonizaram um dos jogos mais emocionantes deste campeonato. Sete gols é para colocar à prova a saúde cardíaca de qualquer torcedor. O Grêmio venceu sem jogar bem.

Os treinos secretos foram insuficientes para que o time de Mano Menezes se preparasse para marcar o uruguaio Beto Acosta. Ele fustigou, provocou, enrolou e complicou a defesa. Leo não andou bem, e Anderson Pico comprometeu até ser substituído. Uma substituição discutível só mereceu aprovação pelo resultado:

Tuta jogava muito bem, e Marcel tinha dificuldades. Mano preferiu substituir Tuta. Deu certo. O Grêmio venceu. Foi uma batalha. A Batalha da Azenha. Grêmio e Náutico está virando clássico épico. Como registrou um torcedor, no final do jogo, na Rádio Gaúcha:

- Este jogo também merece um DVD.

Terra e ar

Quem tem Marcel, Tuta e Diego Souza pode apostar muitas fichas neste trio que mais parece uma irresistível divisão de tanques, por terra, e uma esquadrilha aérea mortífera, pelo alto.

Marcel marcou dois gols, e Tuta, ao tentar cruzar, pegou mal na bola e enganou o goleiro, marcando um golaço. O Diego Souza completou o bombardeio aéreo deixando o seu, também, de cabeça. Quem tem Marcel, Tuta e Diego Souza, pode deixar de escalar os três?

Exemplo

Quando um torcedor idiota jogou um copo de água, quase acertando o árbitro, torcedores gremistas que estavam nas proximidades indignaram-se com o irresponsável e deram um exemplo de como deve agir a torcida: identificaram o babaca, fotografaram-no e o entregaram à Brigada.

Maravilha! Só as torcidas poderão conter estes baderneiros que não merecem ocupar lugar em um estádio de futebol. Parabéns, torcedores gremistas. Assim é que se faz!


29 de outubro de 2007
N° 15402 - Paulo Sant'ana


Leite curta vida

Diante dos últimos fatos, vai sofrer grandes modificações a industrialização do leite longa vida.

Com a consagração da soda cáustica e da água oxigenada como conservantes do leite longa vida, a primeira mudança será nos nomes do leite: Sodalat e Oxilat.

Toda caixa de leite deverá ter bem visível as advertências: "Beba com moderação!" e "Se beber, não dirija".

Parece que a atual indústria do leite longa vida não cogitou de que, ao alongar a vida do leite, estava encurtando a vida dos consumidores.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária terá de ser rigorosa na análise de qualidade da soda cáustica e da água oxigenada.

Só o que faltava era acrescentarem soda cáustica e água oxigenada de péssima qualidade ao leite que bebemos.

Exigimos soda cáustica e água oxigenada genuínas na mistura com o leite.

De quem é, por sinal, a atribuição de analisar a pureza da água oxigenada e da soda cáustica que são adicionadas ao leite? Não estará havendo mistura na mistura?

Se a soda cáustica e a água oxigenada têm a propriedade de dar mais longa vida ao leite, não seria o caso de a ciência investigar se, alimentando-se as mães lactantes com água oxigenada e soda cáustica, prolongar-se-ia sua lactância, para gáudio de seus bebês lactentes?

A suprema vitória da indústria do leite longa vida: é quase certo que, com o reforço da soda cáustica e da água oxigenada, o leite longa vida venha a ter uma vida mais longa que a do consumidor.

De todo esse drama do leite, sobrou-me a seguinte decisão: quanto mais curta for a vida de um leite, mais confiável ele para mim será.

Se lançarem no mercado, me tornarei cliente ferrenho do leite curta vida. Tenho até um slogan para ele: "Curta a vida com o leite curta vida".

Eu já tinha de ter desconfiado da qualidade do leite longa vida. Longa vida quem tem são os velhos. E é lógico que todo leite longa vida é velho. E que a vida do leite longa vida é artificial.

E agora já vão para duas as descobertas de jazidas de caixas de leite enterradas no município de Fazenda Vila Nova (RS).

Estão enterrando o leite longa vida em caixas. Estão escondendo a sujeira debaixo do tapete. Onde é que estamos metidos?

Mas tenhamos a consciência inflexível de que se trata de um esquema, crê-se que nacional, da adulteração do leite.

Há pelo menos um ano o leite vem sendo adulterado, revelou o Fantástico ontem. Mas pode ter sido há mais de um ano.

E também ficou esclarecido que as cooperativas acusadas compravam leite azedo e usavam a soda cáustica e a água oxigenada para "regenerá-lo". E o lucro com a mistura de soda cáustica, água oxigenada e soro ao leite era da ordem de 10%.

Ou seja, o objetivo principal não era dar vida mais longa ao leite, mas "espichar" o leite em volume. Um crime. Contra a saúde pública e contra a vida.


29 de outubro de 2007 | N° 15402
Luis Fernando Verissimo


Quando os chineses chegarem

Quem anda, como eu andei há dias, pelas ruas de uma cidade como Florença, cuidando para não ser carregado por uma das manadas de turistas que seguem afobadamente uma bandeirinha com terror de se perder do guia (e não era nem a alta temporada!), não pode deixar de ter um pensamento:

- E quando chegarem os chineses?

E os chineses virão. Grande parte dos bandos que se vêem hoje em Florença e outras atrações do roteiro tradicional é de turistas que, há alguns anos, não viajavam.

Ouve-se muito russo, ou coisa parecida, nas ruas, e a Europa Central tem descido em peso para a Ocidental. Depois virão os hunos, depois os mongóis, e finalmente chegarão os chineses e ocuparão todos os lugares que ainda sobram, com conseqüências imprevisíveis. Teme-se pelo pinto do Davi de Michelangelo.

Os japoneses vieram há tempo. Não é verdade que a multidão de japoneses que impede que qualquer ocidental se aproxime da Mona Lisa no Louvre seja sempre a mesma. Ela se renova, mas suspeita-se que os mais velhos fiquem guardando lugar para as novas gerações.

Os japoneses fotografam tudo o que comem. Fotografam-se uns aos outros fazendo de tudo - inclusive, estranhamente, se casando. Parece que é uma tradição japonesa casar-se (ou apenas tirar as fotos do casamento, não sei) em Paris.

Ou então são casais que se conheceram, namoraram e noivaram em frente à Mona Lisa e voltam por questões sentimentais. Vêem-se casais de japoneses sendo fotografados na beira do Sena, nos parques, onde houver espaços pitorescos vazios. Que certamente desaparecerão quando os chineses chegarem.

Você pode se divertir tentando adivinhar a procedência dos ônibus que ficam estacionados, esperando os turistas voltarem da sua visita à torre Eiffel. Alemanha, Polônia, República Tcheca são facilmente identificáveis.

Espanha e Itália também, claro. Mas que possível país será aquele cuja língua só tem consoantes? A cara dos turistas que voltam para os ônibus não ajuda. Fora os japoneses, hoje ficou todo mundo mais ou menos americano.

Como será quando chegarem os chineses, meu Deus? Você se esquivará de uma horda seguindo um guia e atrás virá outra maior. Cedo ou tarde eles estarão disputando espaço com seus antigos rivais, os japoneses. Não é demais prever que a Terceira Guerra Mundial começará com cotoveladas em frente à Mona Lisa.

Dos três assuntos que dominavam a França quando eu saí de lá, dois envolviam o Sarkozy - embora a oposição gostaria de culpá-lo pelo vexame nas finais da Copa de rugby também. A greve dos transportes foi o primeiro enfrentamento do novo governo com os sindicatos e pôs fim à lua-de-mel.

E o divórcio pedido pela Cecília pôs fim a um casamento que mal sobrevivera a um caso dela com outro homem. A oficialização do Sarkozy como marido enganado foi a única alegria que os socialistas franceses tiveram em muito tempo.

domingo, 28 de outubro de 2007


DANUZA LEÃO

As dependências

Será que vício se escolhe? Se a resposta for sim, tente se viciar em alegria; ela não intoxica nem faz mal à saúde

TODOS OS QUE dependem de alguma coisa para viver são dependentes, certo?

Dependente é uma palavra criada para não usar a outra, mal vista: viciados. Os que se acham superiores, por fazer parte da turma saudável que tem horror ao cigarro e às bebidas, acham que não têm nenhum vício; será?

Alguns têm o hábito de acordar, abrir a geladeira e encontrar, prontinho, seu suco de cenoura, açaí e mel, que a empregada preparou. Mas na segunda-feira ou ela chega atrasada ou não chega, a síndrome das segundas.

Nessa hora, o que fazem esses, que não têm vício nenhum? Descem e rumam desatinados para uma loja de sucos, e ai de quem ousar achar qualquer semelhança entre eles e aquele verme viciado em nicotina que sai de madrugada procurando desesperadamente um botequim para comprar um maço de cigarros. Nada a ver, claro.

Tomar vários cafezinhos por dia, o chope na saída do trabalho e três caipirinhas antes da sagrada feijoada de sábado são considerados vícios, porque fazem mal à saúde. Mas existem coisas saudabilíssimas e tão viciantes quanto qualquer droga considerada pesada.

Correr de manhã, escovar os dentes depois das refeições, chegar em casa e ir direto para o chuveiro, entrar no carro e ligar o rádio, por acaso não são hábitos, isto é, vícios? Claro que são, e tem o maior de todos: a televisão.

Existe gente que chega em casa e a primeira coisa que faz é ligar a TV; as teclas do controle remoto já estão gastas, mas como achar forças para desligar o aparelho, mesmo na hora de dormir? Para isso existe a tecla timer, para a televisão desligar sozinha em 90 minutos. Isso é que é amor -e vício.

Existem dois tipos de homem: os normais e aqueles que vivem falando que não podem passar um dia sem transar. Como o dia só tem 24 horas, e todos têm que dormir, trabalhar, almoçar, jantar, ler os jornais e ver televisão, fica apenas uma dúvida: o vício é a transa ou falar da transa?

Comentar sobre a riqueza das pessoas -não importa de quem- também é uma mania. Há quem delire quando fala do gângster que acendia charutos com uma nota de US$ 100 ou do sultão de Brunei, que tem torneiras de ouro nos seus banheiros.

Outros só ficam felizes quando falam de tristezas e tragédias. Uma boa doença é um prato saboroso e inesgotável, e é com volúpia que contam o resultado do exame de sangue, o seu e o dos outros; e adoram dar palpites, sempre achando que a coisa pode ser bem mais grave do que parece.

Existem os viciados em psicanálise, que estão contando há 30 anos suas histórias para o analista -pobre dele- e os que têm tudo para serem felizes mas passam o tempo procurando e encontrando razões para se queixar da vida.

Todos temos nossos vícios; os que fazem mal à saúde -e nesses os amigos, a família e até o governo se metem- e os que são altamente considerados pela sociedade, como trabalhar à noite e nos fins de semana ou se sacrificar por alguma causa. Esses são louvados em prosa e verso.

Será que vício se escolhe? Se a resposta for sim, tente se viciar em alegria; ela não intoxica nem faz mal à saúde, e usada em altas doses é capaz até de mudar o mundo, mas cuidado: pessoas alegres não costumam ser levadas a sério.

Por isso, quando estiver perto dos sérios de carteirinha, é prudente nem sorrir, e mostrar-se extremamente preocupado com a situação em geral. Porque os sérios só acreditam em quem faz cara de sério, o que também é um vício -e dos piores.

danuza.leao@uol.com.br

Excelente domingo e que seu time vença o adversário de hoje


Mulheres pagam R$ 1.500 para ter dia de Mônica Veloso

Kit do sonho de posar nua ou seminua inclui produção temática, figurino sensual, locação no motel e Photoshop

Inspiradora das "playmates" anônimas, jornalista afirma que nunca teve vontade de fazer fotos sem roupa, por ser mais "reservada"

DANIEL BERGAMASCO
DA REPORTAGEM LOCAL


Os cachês para quem posa nua para a revista "Playboy" são, em geral, múltiplos de R$ 100 mil. Mônica Veloso, nas bancas neste mês, anunciou que compraria uma casa na praia. Irislene Stefanelli, a Siri do programa "Big Brother", tirou a família do aluguel.

A apresentadora Sabrina Sato investiu o dinheiro e, mais tarde, com outros ganhos, comprou uma cobertura tríplex no Pacaembu, em SP.

Já a publicitária T.C., 24 anos, vai posar nua em abril. Não ganhará nada. Ao contrário: pagará cerca de R$ 1.500 para matar a vontade de fazer um ensaio nua. O figurino já está definido: nas fotos, ela vai se despir das peças de lingerie que usará na lua-de-mel.

Irislene teve ao menos 380 mil leitores (se contado um para cada exemplar vendido da revista). T.C. terá um só: "Vou fazer as fotos para meu marido e mandar o álbum para ele de surpresa no dia do casamento, enquanto eu estiver no salão", conta, entusiasmada.

"Vou estar oito quilos mais magra, até por causa do casamento, né? O ensaio vai ter véu, grinalda... Menos o vestido, lógico, que dá azar quando o noivo vê antes."

O sonho de ser uma "playmate" está à venda pelo preço mínimo de R$ 1.250 na agência Nude. O pacote básico inclui cinco horas de flashes na suíte de um motel, lanchinho, maquiagem, produção básica e, como nas revistas que inspiram a idéia, Photoshop "à volonté".

A sessão pode ser acompanhada nos bastidores por uma amiga, se a "modelo" se sentir, assim, mais confortável.
"As mulheres chegam tímidas, põem um roupão, mas logo relaxam", diz a fotógrafa Darcy Toledo. "Colocamos uma música, damos uma taça de vinho, colocamos uma pluma e ela fica à vontade", diz Jane Walter, sócia de Darcy.

Outra "garota da capa" por um dia foi a enfermeira T.O., 27, que fez um ensaio ao estilo "Lolita", um dos mais pedidos (o estilo "country" também faz sucesso), com direito a pirulito de coração na boca e maçã vermelha na mão. "Fiz de aniversário para o meu marido, e ele adorou. É algo muito nosso. Eu não aceitaria posar nua para a "Playboy", por exemplo."

Opinião da especialista

Mônica Veloso, que deve emplacar a capa de "Playboy" mais vendida do ano, diz que nunca havia sonhado em posar nua.

"É engraçado, porque tantas mulheres têm me dito: "Ah, meu sonho é ser capa da "Playboy". E eu nunca tinha pensando nisso, sabia? Sou reservada", informa.

"Bom, a gente até dá aquela olhada no espelho para ver quais são os melhores ângulos e valorizar, né? Mas posar nua, nua, nunca pensei.

Adorei o resultado, ficou chique, não é aquela nudez pornográfica. Devo ser a primeira mulher a aparecer na "Playboy" de calças compridas."

CARLOS HEITOR CONY

Uma sugestão cívica

RIO DE JANEIRO - O pessoal do governo e da base aliada encontrou um argumento para justificar a prorrogação da CPMF por mais alguns anos.

Descobriu que nenhum país pode dispensar o reforço de 40 bilhões da moeda local em seu orçamento de cada ano. Convenhamos, é dinheiro pra burro, mas ainda pouco para atender às necessidades nem sempre necessárias de um governo caótico no que se refere às aplicações de verbas.

Não se precisa ter memória de elefante para lembrar o drama do ex-ministro Adib Jatene na aprovação de um imposto provisório destinado à área da saúde. A situação dos hospitais era obscena, crianças nascendo em pias de enfermarias, doentes espalhados pelo chão, falta de material mais urgente, como algodão, esparadrapo e soro.

O imposto foi aprovado e o ministro voltou à sua profissão de médico, mas a situação hospitalar continua a mesma.
Aqui no Rio, um jornal divulgou nesta semana que, no setor da neurocirurgia, para operações no cérebro, usavam furadeiras, dessas de furar parede para colocar o prego que sustentará um quadro.

Verdade seja dita: já vi furarem o crânio de um paciente com uma dessas furadeiras, mas num filme dos Três Patetas (em sua primeira formação). A vida copia a arte, mas é bom que pare nas furadeiras.

Um viajante do século 16 descobriu um reino perto das antigas ilhas Papuas. Para abastecer o tesouro real, o soberano criou o imposto do ar, quem respirasse pagava o tributo, calculado na base de três mil respirações por dia.

O nosso espaço aéreo é enorme, como disse aquele marechal quando soube que o avião em que viajava estava a 12 mil metros de altitude: "Eu sabia que o Brasil era grande, mas não sabia que era tão alto!". Temos bastante ar para novo imposto.

ELIANE CANTANHÊDE

Boa viagem, Lula!

BRASÍLIA - Depois dos dois piores acidentes aéreos da história brasileira e de dez meses de caos aéreo, o presidente da República alegou que não sabia, que estava mal-informado.

Então, é melhor deixar o Aerolula um pouco de lado, tirar a faixa presidencial, pegar a dona Marisa e fazer uma viagenzinha de avião por aí. Vai ficar bem-informado. E muito mal-humorado.

Descobrirá que as companhias atrasam e juntam vôos ao seu bel-prazer. Que a Anac não existe, logo não fiscaliza nada. Que a Infraero registra nos painéis vôos atrasados como se estivessem no horário. Que há longa espera já dentro do avião.

Que a entrega de bagagem virou uma nova tortura. Que o passageiro decola para Congonhas e só descobre que vai para Guarulhos, ou seja para onde for, no meio do caminho. Se reclama, vem o círculo da culpa: as companhias culpam a Infraero, que culpa a Anac, que culpa as companhias. E ninguém faz nada.

Você se programa para jantar com a família às 22h, mas chega em casa às 2 da manhã. E faminto!

Quem viaja muito não agüenta mais barrinha de cereal ou pão. Pão no aeroporto, pão no avião. E tome de refrigerante e suco! O Ministério da Saúde adverte: viajar faz mal à saúde e... engorda.

Passageiro de avião não recebe o Bolsa Família, não é dono de banco nem empresário multinacional, quer dizer, não é voto fechado em Lula. Pode ou não votar nele.

Mas, presidente, ele também é cidadão e filho de Deus. Trabalha, desconta imposto, paga tarifas que vêm aumentando e tem direito a um serviço digno. O atual é indigno.

Quando o sr. e dona Marisa estiverem na fila do check-in, na fila da segurança, na fila do pão, na fila de embarque, na fila da bagagem e, por fim, nas duas filas dos táxis (uma para pagar, outra para entrar), o sr. vai se perguntar:

afinal, o que mudou com Jobim, que se diverte com micos e jararacas na Amazônia? No caos aéreo, não falta só ministro. Falta governo, presidente.

elianec@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

De mansidão e taxistas

MADRI - O mundo mais uma vez se curva diante do Brasil. Pena que seja em aspectos profundamente lamentáveis. Começo pela constatação de Thomas Friedman ("The New York Times"), talvez o colunista mais badalado do planeta, depois de incursão por campi de universidades nos Estados Unidos. Voltou com duas percepções.

A boa: os jovens norte-americanos continuam com o velho impulso de aventurar-se pelo mundo, seja para estudar, seja para "construir casas para os pobres em El Salvador", seja para "serem voluntários em clínicas para doentes de Aids, em números recordes".
O lado ruim: como no Brasil, esse pessoal não se mexe para protestar contra o que quer que seja.

O colunista do "NYT" lembra que Martin Luther King, entre outros, "não mudou o mundo pedindo que as pessoas se juntassem a ele "baixando" [pelo computador] a sua plataforma".

Ao contrário, escreve Friedman, "ativismo só pode ser à maneira antiga -por meio de jovens eleitores falando a verdade para o poder, face a face, em grande número, nos campi ou no Washington Mall [a grande área no coração da capital norte-americana]. Política virtual é só isso: virtual".

Na Europa ou, pelo menos, na Espanha, o colunista Vicente Verdú ("El País"), que, além de jornalista, é escritor e formado em ciências sociais, diz o seguinte:

"O pensamento complexo reduziu tanto sua presença nos debates que os conceitos ajustaram sua dimensão ao tamanho exato do discurso de taxista" (sem qualquer preconceito de minha parte contra o taxista, com os quais muitas vezes é até divertido conversar, em qualquer lugar do mundo).

Como tenho reclamado, neste espaço, da bovina mansidão do brasileiro e da indigência do debate público, fico mais alarmado. Parece que globalizaram também a mansidão e a mediocridade.

crossi@uol.com.br

DANIEL CASTRO - dcastro@folhasp.com.br

Globo ataca com "Da Vinci", SBT terá "Superman", e Record, "007"

As três grandes redes já estão definindo os filmes que estrearão em 2008. A Globo acaba de fechar novos acordos com as distribuidoras Fox e Columbia Pictures (Sony), suas principais parceiras (além da Disney). O SBT dá continuidade ao contrato de exclusividade com a Warner. Já a Record tem seu pacote de cinema apoiado na Universal Pictures e na MGM.

A Globo, que não teve um 2007 muito feliz nas sessões de filmes, terá no ano que vem o megassucesso "O Código Da Vinci". Também da Columbia, poderá exibir "Triplo X 2: Estado de Emergência", "A Lenda do Zorro" e "Hitch - Conselheiro Amoroso". Da Fox, a Globo comprou "Sr. e Sra. Smith", "O Quarteto Fantástico", "O Vôo da Fênix", "Doze É Demais 2", "Robôs" e "Johnny e June".

Do cinema brasileiro, a Globo contará com "O Coronel e o Lobisomem", "Acquaria", "Brasília 18%" e "Casa de Areia".

No SBT, as atrações serão "Superman - O Retorno", "Harry Potter e o Cálice de Fogo", "A Fantástica Fábrica de Chocolate", "A Sogra", "O Filho do Máscara", "A Ilha", "Poseidon", Terra Fria", "A Noiva Cadáver", "Penetras Bom de Bico", "Syriana", "Firewall - Segurança em Risco", "V de Vingança", "O Grito" e "Rios Vermelhos" -os dois últimos da independente Europa Filmes.

Já a Record terá "A Era do Gelo 2", "007 - Cassino Royale", "Break Up - Separados pelo Casamento", "Miami Vice", "A Pantera Cor de Rosa", "Capote", "As Tartarugas Ninjas - O Retorno", "Velozes e Furiosos -Desafio em Tóquio", "O Plano Perfeito", "Vôo 93", "O Jardineiro Fiel", "O Virgem de 40 Anos", "Dois É Bom, Três É Demais" e "Soldado Anônimo".


Ueba! Suzana Vieira é uma mortadela!

Atriz está um misto de Mortícia Adams com Donatella Versace: Mortadela Versace!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

E a Suzana Vieira está um misto de Mortícia Adams com Donatella Versace. Mortadela. Ela é a nossa MORTADELA VERSACE! E Romário para técnico do Vasco Forever.

Sabe qual o bicho que ele deu pros jogadores do Vasco? CACHORRA! E como ele é técnico e jogador tem direito a duas cachorras! Rarará! E ele inventou o treino-balada.

Em que boate vai ser o treino? E sua primeira atitude como técnico foi muito enérgica: todos para a concentração! E aí rumaram pro Sambódromo. Concentração da Portela. Rarará!

Sua segunda atitude foi pra melhorar o ritmo do time: contratou o Zeca Pagodinho pra preparador físico! E esse é o esquema tático do Romário: mais pagode e menos pegada.

E mais balada e menos bolada! E a Polícia Federal investiga a ligação do PT com a Cisco. Operação PTisco!

E o relógio do Luciano Huck continua foragido. Como disse um amigo meu: "Hoje eu tô como o Rolex do Huck, ninguém me acha". E eu sei onde tá o Rolex do Luciano: dando um Rolex por aí! Rarará!

E a promoção da guaraná Schin que ele tá fazendo na televisão? CAÇADA PREMIADA! Já sei, acha o Luciano Huck e ganha um Rolex de presente. Ou então o contrário: acha o Rolex e ganha o Luciano Huck. Rarará!

E essa: "Mônica Veloso fecha com a Portela". Entrou pra Comissão de frente. Ops, COMEÇÃO DE FRENTE! A Mônica entra pra começão de frente e o Renan pra velha-guarda da Portela.

E, nas próximas eleições, em vez de votar no candidato, a gente vota na amante. E as urnas terão as fotos das amantes. Peladas. Rarará!

É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diria o outro: é mole, mas chacoalha pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Boquete, no Panamá, tem uma clínica dentária chamada Clínica Dental Boquete. Rarará! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Antologia": companheiro que faz criação de anta. Um companheiro antalógico. Rarará.

O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br
Algumas fotos da FOLHA de hoje

Veículo BMW, que estava em garagem,
em meio ao que restou de casa atingida por incêndio em San Diego, Califórnia



Objeto balístico que voava acima da atmosfera da Terra
é interceptado com sucesso, em teste da Defesa americana



A boneca Bel, especialmente desenvolvida para o Brasil, e Garibaldo no cenário da nova versão nacional da "Vila Sésamo'; o pássaro, azul nos anos 70, volta amarelo

sábado, 27 de outubro de 2007


28 de outubro de 2007
N° 15401 - Martha Medeiros


Lúcifer e os lúcidos

O lúcido faz parte do time - cada vez mais desfalcado - dos que se desesperam como todo mundo, porém de um modo mais íntimo e refinado

"Lúcido deve ser parente de Lúcifer
a faculdade de ver deve ser coisa do demônio
lucidez custa os olhos da cara."

Estou embriagada pelos novos poemas de Viviane Mosé. Esta é só uma palhinha de Pensamento Chão, um livro essencial nesses tempos em que já sabemos que não convém circular de Rolex por aí, já sabemos que certos políticos nunca ouviram falar em honra, já sabemos que o verão vai ser sufocante e só nos resta olhar um pouco para dentro de nós, o único lugar onde ainda encontramos alguma novidade.

Essa visão inusitada que Viviane nos oferece sobre lucidez, por exemplo, é um convite para a reflexão.

Em tempos insanos, de tanta gente maluca por vaidade, maluca por juventude, maluca por dinheiro, maluca por poder, os lúcidos destacam-se pela raridade. São aqueles que não inventam personagens de si mesmos, não se trapaceiam, não criam fantasias, ao contrário: se comprometem com a verdade.

E se envolver assim com a transparência dos fatos requer uma integridade diabólica. Para olhar o bicho nos olhos é preciso ser bicho também. Enfrentar a verdade é quase um ato de selvageria.

Mas que verdade é essa, afinal? É aí que o demônio apresenta sua conta, pois o lúcido tem que se confrontar com uma verdade desestabilizadora: a de que não existe verdade absoluta.

Nossos pensamentos não estacionam, nossos desejos variam, o certo e o errado flertam um com o outro, não há permanência, tudo é provisório, e buscar um porto seguro é antecipar o fim: a única segurança está na morte, será ela nosso único endereço definitivo. Durante o percurso da vida, tudo é movimento, surpresa e sorte.

O lúcido faz parte do time - cada vez mais desfalcado - dos que se desesperam como todo mundo, porém de um modo mais íntimo e refinado.

O lúcido organiza sua loucura, acondiciona o que está solto no ar, interliga várias idéias independentes para que, agarradas umas nas outras, não se dispersem, estejam ao alcance da mente.

Quanto mais o lúcido pensa, mais percebe que lucidez plena não existe, o que existe são suposições, algumas até coerentes, o que nos mantêm no eixo. Lúcido é aquele que sabe que lucidez é uma falácia, e não pira com isso. Recebe a conta das mãos do demônio, calcula os ganhos e os prejuízos, e paga.

Custa sim, Viviane, os olhos da cara, esse vício de pensar e repensar, pensar e compensar, pensar, pensar, pensar e morrer do mesmo jeito. Por isso achei tão interessante seu poema. Você matou a charada: Lúcifer é uma espécie de padroeiro dos lúcidos - e lúcido é só um outro nome para louco. O louco que tem a cabeça no lugar demais.

Viviane Mosé, além de poeta, é aquela filósofa que teve um quadro no Fantástico. Estará palestrando amanhã no Instituto Goethe, em Porto Alegre. Eu vou.


28 de outubro de 2007
N° 15401 - Paulo Sant'ana


A camburãoterapia

Comunica-me o Cláudio Brito que o prefeito de Viamão, Alex Boscaini (PT), foi até Brasília e, numa audiência com assessores do ministro Tarso Genro, implorou para que o presídio-modelo salutarmente anunciado pelo governo federal não seja localizado em seu município.

É o típico gesto de um prefeito e sua comunidade que preferem ter 4 mil criminosos em ação no seu município do que 400 detentos encerrados numa prisão.

E não sabem que, por estranho e exato desígnio criminológico, quanto menos detentos estiverem presos em cadeias do seu município, mais criminosos haverá soltos pelas ruas do território em que vivem.

Não é só o prefeito e a comunidade de Viamão que não admitem presídio em seu território. Os de Alvorada também. E os de dezenas de outros municípios do Interior.

Não compreendem eles que, se os quase 500 municípios gaúchos baterem pé em não admitir presídios em seus territórios, teremos de mandar os presos gaúchos para o Alasca ou para a Tailândia. Como é que faríamos?

Não sabem as comunidades que essa tendência de purificação dos territórios municipais já se manifestou sinistramente quando prefeitos do Interior decidiram que também não haveria hospitais em suas cidades.

E passaram a mandar todos os seus doentes para Porto Alegre, Santa Maria, Passo Fundo e outros pólos médicos.

Ou seja, são prefeitos seletivos. Doentes e presos eles não querem em seus municípios, a "sujeira" social tem de ser mandada para bem longe, não pode ser exposta em suas cidades, deverá ser exportada.

Mesmo que esta "sujeira" tenha sido produzida lá na área administrada pelos prefeitos, quando não pela sua, no mínimo, omissão.

Temos então, por esta onda aviltante de ojeriza dos prefeitos pelos presídios, que além da "ambulancioterapia", eles agora estão criando a "camburãoterapia".

Doente e criminoso, bota numa ambulância ou num camburão e "carreguem essas pestes para Porto Alegre".

Já se viu no que deu a renúncia das prefeituras a hospitais em suas cidades, um drama social e uma chaga sanitária.

Agora outro drama se erige com o repúdio aos presídios.

Eles só querem igrejas, colégios, creches e casas de chá em suas jurisdições.

A sujeira é posta embaixo do tapete e em seguida trasladada para outra cidade, de preferência a Capital.

Quando é dever social e mais ainda institucional dos municípios comer também a carne de pescoço e não ficar só digerindo o filé.

Se fôssemos uma sociedade organizada, esses prefeitos e essas comunidades seriam obrigados a tratar de seus doentes e a encarcerar seus criminosos, sem transferir essa responsabilidade para os outros.

Porque, de chute em chute como esses, é que este país está virado uma bagunça.


28 de outubro de 2007
N° 15401 - David Coimbra


Minha primeira vez

Qual foi a primeira vez que você entrou em um estádio de futebol?

A minha primeira vez foi num Gre-Nal noturno, no Olímpico. Não lembro qual foi o resultado do jogo, não lembro de um único lance em campo.

Lembro da sensação que me assaltou quando escalei o último degrau da escadaria que levava às arquibancadas, conduzido pela mão do meu avô. No topo da escadaria, o estádio abriu-se para mim.

As luzes poderosas dos refletores, o verde impecável do gramado, as cores fortes das bandeiras e das camisetas, o rugir da torcida, aquilo tudo bateu-me nos olhos e no peito como uma lufada de ar quente, uma explosão matizada e ruidosa que me deixou sem fala por algum tempo. Foi belo e emocionante, foi como se eu fosse engolido por uma pintura de um mestre impressionista.

Gostaria de ser um Gilmar Fraga para reproduzir aquela cena com um pincel.

Passaram-se décadas até eu experimentar algo semelhante outra vez. Aconteceu só no ano passado, na Copa da Alemanha.

Dois estádios me deixaram embasbacados, o que, olha, não é fácil - já trabalhei em grandes estádios do mundo, de Maracanã e Mineirão ao de Yokohama, passando por Santiago Bernabéu, Nou Camp, Estádio dos Príncipes, de Paris, e outros e outros e mais outros. Mas nenhum deles é como o Allianz Arena, de Munique, por fora, ou como o Olímpico, de Berlim, por dentro.

O Allianz Arena é uma nave espacial de cores cambiantes, pousada numa paisagem de filme de ficção científica: imensos cata-ventos de usinas eólicas girando numa planície sem fim. A impressão que se tem é que o estádio está prestes a decolar para Alfa Centauri, a fim de resgatar a família Robinson.

O Olímpico de Berlim é assombroso em sua imponência e em seu significado histórico. Foi construído para a Olimpíada de 1936 por um dos arquitetos favoritos de Hitler.

Ainda é decorado por algumas esculturas encomendadas pelo ditador, possantes atletas de pedra dura atirando dardos, cavalgando, correndo, saltando.

Ao se acomodar numa das cadeiras das arquibancadas, você se sente como se estivesse numa catedral. Nenhum dos estádios que já vi é tão grandioso, tão magnificente e tão solene quanto o Olímpico de Berlim.

Será que conseguiríamos aprontar algo semelhante para a Copa de 2014? A arena do Grêmio transformada em um estádio arrojado como o Allianz de Munique, o Beira-Rio reformado mantendo e valorizando a sua grandeza, por que não?

É tão grande a gana e a disputa entre Grêmio e Inter, que acredito. A Copa de 2014 pode fazer com que a Dupla Gre-Nal levante em Porto Alegre os dois mais belos estádios do Brasil.


28 de outubro de 2007
N° 15401 - Moacyr Scliar


Um dia sem e-mail?

Há quem não fique um dia, uma hora sem checar suas mensagens. Por isso, corporações estão lançando o "Dia sem E-mail"

Queridos e inteligentes leitores, por favor leiam com atenção o texto abaixo.

Casal se divorcia após descobrir que flertava pela internet. Um casal residente na cidade de Zenica, na Bósnia-Herzegovina, estava com problemas no casamento. Por causa disso, os dois iniciaram contatos pela internet e, sem saber de suas identidades, trocaram e-mails e acabaram se apaixonando. Quando a relação se tornou séria, resolveram se encontrar, e então descobriram quem eram. O casal decidiu se separar.

Leram? Agora respondam que tipo de texto é este:

a) Um miniconto escrito por um autor da nova geração;

b) Resumo de um filme que vai estrear em breve;

c) Uma autêntica notícia de jornal.

Quem apostou na última resposta acertou. O fato aconteceu mesmo, comprovando o que muitas vezes já se disse, que a realidade não raro é mais estranha que a ficção.

Em segundo lugar, a história demonstra a crescente importância que os e-mails têm em nossas vidas. Fala-se já de uma dependência do computador: há pessoas que não podem passar um dia, uma hora, sem checar suas mensagens. Não por outra razão corporações americanas (e a Intel é um exemplo recente) estão lançando o Dia sem E-mail, que em geral é a sexta-feira (os adictos ao correio eletrônico lembrarão que este é o dia das bruxas). Qual a razão da campanha?

Seria o fato de que, nas empresas, as pessoas já não falam com as outras, mesmo que estejam sentadas lado a lado: preferem se comunicar pelos e-mails. O número de mensagens cresce assim exponencialmente, ao ritmo de quase 30% ao ano, o que não deixa de ser estressante:

um estudo feito pela Universidade de Glasgow mostrou que pessoas checam seus e-mails até 40 vezes por dia, o que, convenhamos, é um exagero. Isto não significa que as pessoas estejam dispostas a aderir ao Dia sem E-mail. Ao contrário, acham que isto é uma arbitrariedade, e não foram poucos os protestos que se registraram nas empresas.

Agora: não deixa de ser irônico que o pessoal resista a trocar a comunicação escrita pela oral. Durante muito tempo, teóricos da comunicação sustentaram que o texto escrito estava morto, que o negócio agora era a imagem ou a fala.

Não é verdade. As pessoas preferem escrever, ainda que escrevendo à maneira da internet, com aqueles peculiares códigos. Mais que isto, escrever significa penetrar em um novo território, viver uma nova vida.

E aqui retornamos àquela história do início. É possível, vocês perguntarão, um casal se odiar na rotina do cotidiano e se apaixonar através de e-mails? É possível, sim. Porque não estamos falando das mesmas pessoas.

O homem que escreve os e-mails não é o mesmo que arrota na mesa do jantar ou urina no tampo do vaso. A mulher que escreve os e-mails não é a mesma que anda pela casa de roupão rasgado ou que reclama do marido. Eles passaram por uma metamorfose, através da palavra escrita.

Que, no caso, equivale quase a uma palavra mágica. A pergunta que se pode fazer é: não será isto que faz a mágica da literatura? Não será isto que nos transforma em admiradores incondicionais dos grandes escritores? Uma resposta que vocês podem dar na Feira do Livro deste ano.

Falando em livros, o JerônimoTeixeira, que trabalhou aqui na Zero Hora, está lançando, pela Bertrand Brasil, nova edição de As Horas Podres, novela inspirada num crime ocorrido em Estância Velha e que demonstra seu talento de narrador ficcional.


28 de outubro de 2007 |
N° 15401 - Luis Fernando Verissimo

O tom

Quem procuraria outra mulher tendo uma como ela - corpo de vinte, rosto de trinta - em casa?

Apavorada com a perspectiva de envelhecer e o marido trocá-la por uma mais moça, fez plástica atrás de plástica. Resultado: tem cinqüenta anos mas um corpo de vinte e um rosto de trinta, se você não olhar muito de perto.

Alisou as rugas, tirou daqui, enxertou ali, levantou acolá - o acolá é sempre o primeiro a cair - e conseguiu: não envelheceu. Mas no outro dia contou que o marido a trocara por outra.

Estava inconsolável, só não podia chorar para não desmanchar a maquiagem. Tentaram consolá-la assim mesmo, chamando o marido de tudo. Inclusive de cego, pois quem procuraria outra mulher tendo uma como ela - corpo de vinte, rosto de trinta - em casa?

Os homens não tinham jeito. Em muitos deles, amadurecer era uma forma de voltar à adolescência. Iam em busca dos hormônios perdidos e só encontravam o ridículo.

Não me façam chorar, não me façam chorar - pedia ela.

As outras mulheres começaram a desenvolver teses sobre o que leva homens mais velhos a procurar mulheres mais moças. Pânico sexual, antes de mais nada.

Descontadas, claro, as falhas naturais do caráter masculino, que também se acentuam com a idade. Mas ela que esperasse. Cedo ou tarde, ele se cansaria da mulher mais moça, ou ela se cansaria dele e...

- A outra não é mais moça - interrompeu ela. - É mais velha do que eu!

Abriu-se uma clareira de espanto. O quê? Mais velha?!

E ela contou que a outra nunca fizera plástica, que a outra nem pintava os cabelos. Era uma senhora grisalha, matronal, exatamente do tipo que ele esperara em vão que ela ficasse, segundo ele mesmo dissera.

Sim, porque ela fora pedir satisfação, disposta, inclusive, a bater na outra. Não só não batera como acabara ouvindo conselhos da outra, num tom maternal, sobre como envelhecer com naturalidade.

O que mais doera fora o tom maternal.

A posteridade

Ninguém que eu saiba ainda teve a idéia de reunir num texto todas as versões de Don Juan jamais feitas, de Mozart a George Bernard Shaw.

Poderia ser uma espécie de congresso, onde a discussão sobre quem é o Don Juan verdadeiro seria animada, pois em cada versão ele tem uma personalidade diferente e representa outra coisa.

A posteridade, já disse alguém, não é um lugar seguro. A de outros personagens da ficção e da História também depende da versão que pega.

Na sua peça Santa Joana, por exemplo, Shaw descreve Gilles de Laval, "seigneur" de Rai, um lorde da Bretanha que chegou a marechal da França pelas suas virtudes militares e estava com Joana D´Arc em Orleans, como um jovem elegante e seguro de si com uma extravagante barbicha encaracolada tingida de azul, e durante toda a peça o identifica como Bluebeard.

Sabe-se que depois de encerrada sua carreira militar Gilles transformou-se num patrono das artes e seria lembrado como tal se não fossem os persistentes rumores de que gostava de fazer coisas estranhas com meninos, inclusive matá-los.

Por esse detalhe, hoje ele é lembrado não como um exemplar grão-senhor da época mas como o inspirador da história do Barbazul.

A própria Joana D´Arc é heroína ou vilã, dependendo dos detalhes. Shakespeare, do ponto de vista do outro lado do canal, retratou a corajosa donzela dos franceses como uma aberração maligna na sua peça sobre Henrique VI.

E, afinal, ela foi queimada como bruxa e só canonizada anos depois, e parece que os ingleses ainda não se convenceram.

A posteridade, às vezes, esquece o detalhe, às vezes só conserva o detalhe. Por causa de uma única fotografia, é possível que, no futuro, quando falarem em Albert Einstein, digam:

- Albert Einstein, Albert Einstein...

Não era aquele velhinho com a língua de fora?

Diogo Mainardi

No Iraque, é melhor

"No ano passado, o Brasil teve 44 663 assassinatos. O dado acaba de ser publicado pelo governo federal. No mesmo período, de acordo com o site do Iraq Coalition Casualty Count, a guerra no Iraque produziu 18 655 mortes.

Os americanos alarmaram-se tanto com esse número que aceitaram mandar mais 30 000 soldados para lá. O resultado? As mortes diminuíram drasticamente"

A favela da Rocinha é uma "fábrica de produzir marginais". A frase é do governador Sérgio Cabral. Ele acrescentou que a Rocinha só vai parar de fabricar marginais quando o aborto for legalizado. Finalmente um político admite que o maior problema do Brasil é o brasileiro.

Na mesma reportagem, Sérgio Cabral comparou a Rocinha à Zâmbia. Até aí tudo bem. Ninguém discute que a Rocinha seja igual à Zâmbia. Espantei-me apenas quando ele comparou Copacabana à Suécia. E o Méier à Suécia.

Sérgio Cabral é nosso James Watson. James Watson, um dos descobridores da estrutura do DNA, declarou que o preto africano é menos inteligente do que o branco europeu. Anteriormente, ele já declarara que os estudos genéticos permitiriam abortar todos os fetos defeituosos.

O governador do Rio de Janeiro descobriu o DNA da marginalidade entre os africanos da Rocinha e agora quer abortá-los. Segundo ele, ficaremos mais seguros. Ficaremos mais inteligentes também?

Uma semana antes de Sérgio Cabral apresentar suas teorias eugenistas, os policiais cariocas, a bordo de um helicóptero, mataram uns marginais no Morro da Coréia.

A Secretaria de Segurança Pública explicou que seria difícil efetuar uma operação análoga nos morros da Zona Sul, porque "um tiro em Copacabana é diferente de um disparado na Coréia". Copacabana é a Suécia. Ali só vale o aborto em massa.

No ano passado, o Brasil teve 44 663 assassinatos. O dado acaba de ser publicado pelo governo federal.

No mesmo período, de acordo com o site do Iraq Coalition Casualty Count, a guerra no Iraque produziu 18.655 mortes. Os americanos alarmaram-se tanto com esse número que aceitaram mandar mais 30 000 soldados para lá.

O resultado? Em fevereiro de 2007, quando as novas tropas desembarcaram no país, registraram-se 3 014 mortes. Em agosto, elas já haviam diminuído para 1.674. Em setembro, 848. Em outubro, até a última quinta-feira, morreram 531 iraquianos.

Consulto todos os dias o site do Iraq Coalition Casualty Count. Consulto todos os dias também o site do Iraq Body Count, onde cada confronto fatal recebe um código e uma ficha de ocorrência.

A ficha k7633 relata a morte de um professor da universidade religiosa de Al Sadr. A ficha k7634 assinala dois cadáveres encontrados em Al Kifl. Os americanos parecem se preocupar mais com os assassinatos de iraquianos do que os brasileiros com os assassinatos de brasileiros.

Pior do que a idéia de Sérgio Cabral de abortar os marginais zambianos da Rocinha só mesmo o Pronasci, aquela idéia de Lula de dar um dinheirinho mensal aos marginais para evitar que eles cometam crimes.

O programa foi apelidado de Bolsa Bandido ou Bolsa Pivete. Prefiro chamá-lo mais simplesmente de Bolsa Júlio Lancellotti.

Cedo ou tarde, o Iraque será pacificado e a autoridade local poderá comparar Al Kifl à Suécia. A Zâmbia de Sérgio Cabral e Lula continuará com seus 44.663 assassinatos. Se tudo correr bem.

Ponto de vista: Stephen Kanitz

Intenções por trás das palavras

"Se não nos preocuparmos em detectar a agenda oculta de quem nos prega alguma coisa, seremos presas fáceis dos que falam bonito e escrevem melhor ainda"

Muitos escritores, cientistas e formadores de opinião usam e abusam de nossa confiança. Sutilmente nos enganam para defender os próprios interesses.

É o que em epistemologia chamamos de "a agenda oculta". É assustador o número de filmes de Hollywood que têm uma agenda oculta, e como caímos como uns patos acreditando em tudo.

Eu sempre desconfio da agenda oculta de escritores, colunistas e pseudocientistas. É a primeira coisa que tento adivinhar. Ele, ou ela, está querendo me dizer exatamente o quê? Que bronca carrega na vida? Ele é separado, foi um dia traído, multado, preso ou ludibriado?

Ilustração Atômica Studio

Quanto mais velhos ficamos, mais percebemos quanta agenda oculta existe por trás de quase tudo o que é escrito hoje em dia no Brasil e no mundo. É simplesmente desanimador.

Salman Rushdie, o autor de Versos Satânicos, ao responder recentemente a por que preferia escrever ficção em vez de livros técnicos, afirmou: "Na ficção pegamos o leitor desprevenido".

Desprevenido significa sem a vigilância epistêmica necessária para perceber o que o escritor está tentando fazer. É mais fácil uma feminista radical escrever um livro de ficção em que todos os personagens masculinos são uns calhordas do que escrever um livro de sociologia dizendo que "todo homem é um canalha", o que resultaria em processo judicial.

Por isso, prefiro sempre artigos que apresentam tabelas, números e outras informações concretas em vez de "idéias", opiniões e indignações. É justamente isso que editores de livros no mundo inteiro nos aconselham a evitar, porque senão "ninguém lê", o que infelizmente é verdade.

Mas é justamente isso que deveria ser lido. Queremos dados agregados, que são difíceis de arrumar, para nós mesmos fazermos nossas interpretações. Se houver uma equação complicada, melhor ainda, porque equações nos revelam regras, relações entre variáveis e tendências. É a isso que se chama ciência.

A opinião dos outros sobre um fato isolado é conversa mera e efêmera. Daqui a um mês ninguém mais falará de Renan Calheiros, assunto que coletivamente nos ocupou por quatro meses.

Infelizmente, somos uma nação que idolatra quem faz parte da academia de letras, aqueles bons de papo, que escrevem bem, e não aqueles que pesquisam bem ou calculam com rigor científico.

Ignoramos solenemente os que fazem parte de nossa Academia Brasileira de Ciências, que descobrem a essência do que ocorre na prática, as causas de seus efeitos, os que usam o método científico de análise.

O último acadêmico de ciências nem sequer foi noticiado pela imprensa brasileira. "Imortais" no Brasil são aqueles bons de bico, que nos seduzem com belas frases e palavras, por isso somos um país do "me engana que eu gosto".

Nosso descaso com ciência, estatísticas, equações, dados, números, análise científica é a causa de nosso atraso. Porque não nos preocupamos com ciência, viramos o país da mentira.

Muito do que se escreve, até em livros de filosofia, vem, na realidade, de pessoas justificando sua vida, seus erros e suas limitações.

Elas têm uma agenda oculta que cabe a você descobrir. Quando alguém sai propondo maiores gastos em educação, sempre indago se não é mais um professor querendo maiores salários, pagos por impostos, "impostos" à sociedade.

Notem como 95% desses artigos pedem verbas, vinculações de verbas e mais verbas, e nenhum discute quais as novas matérias que seriam ensinadas.

Omitem invariavelmente o fato de que hoje, nas universidades, algo em torno de 50% dos alunos nem terminam o curso – e por volta de 50% dos que terminam não exercem a profissão. Esse é um problema resolvido com mais verbas ou com uma urgente reforma no conteúdo educacional?

Desconfio sempre de quem não oferece seu e-mail ou site num artigo ou livro publicado. É como se dissesse: "Já sei tudo". Prefiro ler quem o oferece e lê as mensagens, sugerindo que é um humilde cientista que quer saber se escreveu algo errado, para corrigir o que foi escrito.

Se não mudarmos nossa mentalidade, se não nos preocuparmos em detectar a agenda oculta de todos aqueles que nos pregam alguma coisa, pagaremos caro pela nossa falta de vigilância epistêmica. Seremos sempre presas fáceis dos que falam bonito e escrevem melhor ainda.

Stephen Kanitz é administrador www.kanitz.com.br