sábado, 20 de outubro de 2007



21 de outubro de 2007
N° 15395 - Luis Fernando Verissimo


A grande mulher do Lineu

Ninguém queria magoar o Lineu, logo o Lineu. Mas quem mandara ele casar com um monumento?

Um dia o Lineu apareceu casado com um monumento. Uma grande mulher nova. O que causou um certo ressentimento no grupo.

Não era uma questão de duvidar da capacidade do Lineu de, assim, administrar tudo aquilo. Nem se discutia o direito do Lineu, apesar do seu tipo franzino, de ter uma mulher daquelas dimensões. A questão, no fundo, era de justiça.

A Valda - o nome dela era Valda, como as pastilhas - era mulher demais para um homem só, fosse quem fosse o homem ou que físico tivesse. Monopolizando uma mulher como aquela o Lineu estava, por assim dizer, sonegando-a. Alguma coisa - por justiça - precisava sobrar para os outros.

Aquilo era até uma metáfora perfeita para concentração de renda no país. Não havia como não se revoltar. Onde estava a solidariedade social? Restava saber como a mulher do Lineu reagiria a uma proposta distributivista.

Fez-se uma rápida enquete no grupo, no fim da qual foi escolhido o Romualdo para testar a receptividade da Valda. Romualdo, o Mualdão, era simpático e bem falante, além de ser casado com a Titina, que já estava acostumada com a sua fama de conquistador e até fazia pouco dele, dizendo "Esse galo é só de cocoricó", ao que o Muldão respondia "Vou te mostrar o cocoricó em casa", e todos riam.

Todos no grupo eram casados. O último a casar fora o Lineu. E é preciso dizer que os homens do grupo respeitavam as mulheres do grupo. Ou, como dizia o Mualdão: "Mulher de amigo, pra mim, é homem feio".

Mas também é preciso dizer que nenhuma das mulheres do grupo era um mulherão como a Valda. Sem as mulheres saberem, é claro, o Romualdo foi escalado para uma missão de reconhecimento.

Sua tarefa era descobrir, com jeito, se a Valda era, ao menos, cantável. Uma vez estabelecido isso, pensariam nos passos seguintes. Era necessário avançar com cuidado. Ninguém queria magoar o Lineu, logo o Lineu. Mas quem mandara ele casar com um monumento?

O Mualdão pediu algumas semanas para estudar o terreno e fazer sua aproximação. Contou depois que agira cientificamente, cuidando para não espantar a presa nem alertar o Lineu, e que finalmente conseguira ter com a Valda o que chamou de uma conversa franca, os dois sozinhos num bar, cartas na mesa, corações abertos, pessoas adultas e modernas, sim ou não?

- E então? - quis saber o Mariano, quase babando.

Os outros apertaram o círculo em torno do Mualdão. Estavam reunidos como num conselho de guerra. E então?

Mualdão sacudiu a cabeça. Nada feito. Valda lhe confessara que era uma mulher com um apetite sexual equivalente ao seu tamanho, e que já tivera alguma experiência na vida, mas nada comparável ao que encontrara com o Lineu.

O Lineu a satisfazia plenamente. O Lineu era o homem da sua vida. O homem definitivo. Não podia nem pensar em outro. Nada pessoal, dissera a Valda. Simpatizava muito com todos. Mas tudo o que precisava, tinha com o Lineu.

O grupo se dispersou, arrasado.

Naquela noite, quando o Mualdão chegou em casa foi recebido pela Titina com o pé batendo no parquet, sempre um mau sinal. Tinha sido visto no bar com a Valda. O que tinha a dizer? E Mualdão foi obrigado a contar tudo. Sua missão de testar a Valda. E o que a Valda dissera sobre o Lineu.

Resultado: os homens abandonaram todos os planos para conquistar a Valda mas, sem os homens saberem, as mulheres do grupo iniciaram um assédio organizado ao Lineu para descobrirem o que, nele, satisfaz tanto a Valda, um mulherão como a Valda.

O Lineu não sabe mais o que fazer com os olhares, e as indiretas, e os bilhetes que recebe. E na outra noite, num jantar com todo o grupo, sentiu a mão da Titita, que por baixo da mesa, começava sua própria missão de reconhecimento.

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