segunda-feira, 29 de outubro de 2007



29 de outubro de 2007 | N° 15402
Luis Fernando Verissimo


Quando os chineses chegarem

Quem anda, como eu andei há dias, pelas ruas de uma cidade como Florença, cuidando para não ser carregado por uma das manadas de turistas que seguem afobadamente uma bandeirinha com terror de se perder do guia (e não era nem a alta temporada!), não pode deixar de ter um pensamento:

- E quando chegarem os chineses?

E os chineses virão. Grande parte dos bandos que se vêem hoje em Florença e outras atrações do roteiro tradicional é de turistas que, há alguns anos, não viajavam.

Ouve-se muito russo, ou coisa parecida, nas ruas, e a Europa Central tem descido em peso para a Ocidental. Depois virão os hunos, depois os mongóis, e finalmente chegarão os chineses e ocuparão todos os lugares que ainda sobram, com conseqüências imprevisíveis. Teme-se pelo pinto do Davi de Michelangelo.

Os japoneses vieram há tempo. Não é verdade que a multidão de japoneses que impede que qualquer ocidental se aproxime da Mona Lisa no Louvre seja sempre a mesma. Ela se renova, mas suspeita-se que os mais velhos fiquem guardando lugar para as novas gerações.

Os japoneses fotografam tudo o que comem. Fotografam-se uns aos outros fazendo de tudo - inclusive, estranhamente, se casando. Parece que é uma tradição japonesa casar-se (ou apenas tirar as fotos do casamento, não sei) em Paris.

Ou então são casais que se conheceram, namoraram e noivaram em frente à Mona Lisa e voltam por questões sentimentais. Vêem-se casais de japoneses sendo fotografados na beira do Sena, nos parques, onde houver espaços pitorescos vazios. Que certamente desaparecerão quando os chineses chegarem.

Você pode se divertir tentando adivinhar a procedência dos ônibus que ficam estacionados, esperando os turistas voltarem da sua visita à torre Eiffel. Alemanha, Polônia, República Tcheca são facilmente identificáveis.

Espanha e Itália também, claro. Mas que possível país será aquele cuja língua só tem consoantes? A cara dos turistas que voltam para os ônibus não ajuda. Fora os japoneses, hoje ficou todo mundo mais ou menos americano.

Como será quando chegarem os chineses, meu Deus? Você se esquivará de uma horda seguindo um guia e atrás virá outra maior. Cedo ou tarde eles estarão disputando espaço com seus antigos rivais, os japoneses. Não é demais prever que a Terceira Guerra Mundial começará com cotoveladas em frente à Mona Lisa.

Dos três assuntos que dominavam a França quando eu saí de lá, dois envolviam o Sarkozy - embora a oposição gostaria de culpá-lo pelo vexame nas finais da Copa de rugby também. A greve dos transportes foi o primeiro enfrentamento do novo governo com os sindicatos e pôs fim à lua-de-mel.

E o divórcio pedido pela Cecília pôs fim a um casamento que mal sobrevivera a um caso dela com outro homem. A oficialização do Sarkozy como marido enganado foi a única alegria que os socialistas franceses tiveram em muito tempo.

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