segunda-feira, 22 de outubro de 2007


GUILHERME WISNIK

O nomadismo sedentário

A idéia de mobilidade, hoje em dia, remete a uma condição transitória fixada em estado de permanência

NA ÚLTIMA década, uma das palavras mais usadas nos debates e exposições ligados à cidade tem sido "mobilidade". Em geral, associada à aceleração das comunicações, ao aumento crescente do turismo e à flexibilização dos Estados e economias advinda com a globalização.

O tema, no entanto, já deixou de ser novidade nos anos 60, quando o homem conquistava o espaço, as famílias de classe média lançavam-se com seus trailers numa vida "on the road", os Beatles imaginavam o cotidiano dentro de um submarino amarelo e o grupo inglês Archigram projetava cidades-robôs que se deslocariam livremente sobre um território pós-atômico.

Mas o que liga ou separa os dois momentos? Em meio ao clima utópico dos anos 60 (entre irônico, ingênuo e libertário), o impulso nômade envolvia uma clara decisão individual, como um desgarramento voluntário em direção a uma vida alternativa: despojada, pré-fabricada, meio "science fiction".

Hoje, esse impulso parece generalizado e difuso, vindo a constituir o próprio "ser" da cidade contemporânea. Contexto no qual a idéia de mobilidade remete a uma condição transitória fixada em estado de permanência. Por paradoxal que seja, engendramos um nomadismo sedentário.

Se as tradicionais metáforas usadas para designar a cidade estiveram sempre ligadas às noções de atração e concentração (ímã, recipiente), hoje aludem à dispersão (interface, rede).

Ocorre que, cada vez mais, o elemento que agrega pessoas e, portanto, serviços e construções, é a circulação. Mobilidade é conexão. Por isso é que se diz que na metrópole pós-industrial o espaço se tornou um derivado do movimento.

Pensemos, por exemplo, nos imensos "camelódromos" junto às estações de transferência, como os terminais intermodais de transporte. Ou, também, nas gigantescas "cidades" de serviços montadas em torno dos aeroportos.

Um caso exemplar é Euralille: novo complexo metropolitano criado ao lado da pequena cidade de Lille, na França. Como diz o nome, Euralille não é a cidade de um país, mas o pólo estratégico de um continente unificado, situado a meio caminho entre Paris, Londres e Amsterdã.

Destaca-se por sua localização, não pelas características intrínsecas do lugar. Nada mais "natural", portanto, do que desenvolver ali um centro de transporte, hospedagem, negócios e eventos.

É que o trabalho se faz cada vez mais em deslocamento, acompanhando a própria flutuação do dinheiro. Flutuação que a construção, no entanto, pereniza, expondo-se como paradoxo.

Numa cidade como São Paulo, o aumento incessante da frota de automóveis contradiz cada vez mais as noções de agilidade e deslocamento.

Por outro lado, os usuários de transporte público passam a viver ainda mais horas dentro de ônibus e vagões de trem, equipamentos que tendem a adquirir valor de uso, tornando-se lugares de estar, e não apenas instalações técnicas de locomoção.

Definida como um eterno viver em trânsito, a nossa mobilidade parece ter cristalizado o lado sedentário daquela "ficção" nômade dos anos 60.

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