segunda-feira, 22 de outubro de 2007


Juremir Machado da Silva

O APANHADOR DE LARANJAS

Esta é a história real de um menino e do seu avô em uma cidadezinha do Interior. O menino tinha, na época, 8 anos de idade; o avô, 75. Todo ano, na chácara do avô, laranjas amadureciam, coloriam alegremente o pátio e depois caíam. Numa chácara vizinha, o menino visitava uma senhora que, diariamente, encerava o piso da sua casinha de madeira. Tudo brilhava.

Como se dizia, a casa era um brinco. A família dessa senhora tinha uma cozinha separada da casa e nesta só se entrava para dormir e com panos nos pés. Quase nunca aparecia uma visita. Ou sempre se sabia por antecipação quando isso aconteceria. Mesmo assim, todas as manhãs a mulher fazia brilhar o seu tesouro.

O garoto não conseguia compreender. Numa das suas andanças pelo pátio da vizinha, perguntou: 'Por que faz isso todos os dias?'. A resposta deixou-o ainda mais desconcertado: 'Porque gosto de ver a minha casa bem bonita'.

Depois de refletir um pouco, como se estivesse prestes a sair correndo ou a dizer que não acreditava, o menino ainda perguntou: 'Para quem?'.

A mulher riu. Sentou-se na escadinha da porta da sala, acendeu um cigarro, soltou algumas baforadas e respondeu docemente: 'Para mim'.

Um dia, o menino pediu para colher e vender as laranjas na cidade. Queria comprar livros e ser médico. O avô sentiu vergonha. Tanto o menino insistiu que ele cedeu. Colheram mil laranjas. Lotaram uma carroça. Marcaram a data da viagem à cidade. Não podia chover. A estrada era ruim e atolaria.

O menino viu, ao final da tarde, o tempo fechar e não dormiu de ansiedade. Sentia que o avô, não por maldade, mas por vergonha dos seus antepassados, esperava que a chuva o salvasse da expedição. Amanheceu nublado. O menino bateu pé.

O avô, surpreso, cedeu novamente. Partiram. O aguaceiro desabou sobre eles no meio da encosta mais íngreme. Em poucos minutos, a carroça patinava no lamaçal e o cavalo refugava a subida. O avô parecia balbuciar: 'Não disse!'. Propôs que retornassem. Voltariam no dia seguinte.

O menino saltou para o chão e puxou o cavalo ladeira acima. O animal encontrou forças para avançar. Coberto de lama, o menino voltou para o seu lugar. Assim foram ao longo de três horas e de quase 20 quilômetros. Mais chovia, mais havia lama, mais o cavalo refugava.

O menino saltava para o chão e, com o barro pelas canelas, implorava ao animal que se esforçasse. Chegaram à cidade. O menino parecia ver um gigante. Estavam, enfim, juntos numa pequena grande aventura cheia de obstáculos e de coisas não ditas, mas perceptíveis.

Venderam as laranjas. Na volta, no dia seguinte, o avô disse apenas: 'Obrigado, meu filho!'. A vida deu as suas voltas. Sempre tantas. Inesperadas. O menino não se tornou médico. Mas pedagogo. Outro dia, vi-o na televisão, num desses programas sobre educação.

Quando lhe perguntaram sobre a imagem mais forte da sua infância, respondeu sem hesitar: 'Uma mulher que, sem esperar visita nem recompensa, fazia brilhar, diariamente, a sua casa modesta, no campo, como se enfeitasse um palácio para um grande baile ou aguardasse alguém muito importante'.

Eu sou uma anta. Gosto dessas fábulas bregas. Esta é mais uma história tirada de meu livro 'Aprender a (vi)ver'. Não me canso de repeti-la.

Uma história de luta e de orgulho de ser o que se é. Uma cor, um sumo, uma força estranha, um itinerário de encantamento. Um laranjal.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima segunda-feira e uma excelente semana.

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