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quarta-feira, 31 de outubro de 2007
31 de outubro de 2007
N° 15404 - David Coimbra
Meu colega assassino
Uma vez, um colega meu matou a mulher. Trabalhávamos na mesma sala, uns quatro metros de carpete a separar a minha mesa da dele. Não posso revelar-lhe o nome, óbvio. Já estava em idade provecta, tinha os cabelos completamente brancos e uma tosse de afogado. Fumava muito e tomava lá uns remédios que lhe davam sono.
Vez em quando, olhava para ele, ali no canto da sala, e o via cabeceando, piscando, piscando, até finalmente adormecer. Ressonava profundamente por alguns minutos, recostado à cadeira de trabalho, o queixo fincado no peito.
Todos nós, colegas, respeitávamos seu descanso e tentávamos não fazer barulho, falávamos baixo, andávamos na ponta dos pés, fazíamos pst para quem entrasse.
Esse meu colega era bem uns 30 anos mais velho do que a mulher. De repente, por algum motivo, começou a desconfiar que ela o traía.
Não sei se era verdade, mas suas suspeitas foram aumentando a cada dia e se agravando de tal forma que se transformaram em obsessão. Meu colega só pensava naquilo.
Um sábado qualquer, ele havia bebido um pouco a mais com os amigos durante o mocotó do almoço. Alguém lhe fez uma insinuação ou cochichou uma denúncia, sei lá, e ele decidiu que iria pôr fim ao drama. Saiu marchando para casa, entrou no quarto, abriu uma cômoda e tirou de lá o revólver. Berrava pelo corredor:
- Vagabunda! Vagabunda!
Há quem diga que ela, em vez de refutar, em vez de gritar por sua fidelidade e seu amor, o enfrentou e arrostou, nariz erguido:
- Corno.
E que foi por isso que ele se descontrolou de vez e desferiu o primeiro tiro, atingindo a mulher num ombro ou perna, algum órgão não vital.
Aí, sim, ela desesperou. Mesmo atingida, correu para a cozinha, tentando fugir. Ele foi atrás. Ela enfiou-se sob a mesa, ficou com as costas prensadas contra o azulejo da parede, encolhida, sangrando e choramingando.
Ele se abaixou, levantou com uma mão a toalha que em dias mais pacíficos o casal usava nos cafés da manhã, e descarregou o revólver.
Sempre me impressionou esse caso. Nem tanto porque eu trabalhava tão perto de um assassino, mas pelo perfil dele: tratava-se de um homem de boa cultura. A cultura e a educação, como se sabe, são antídotos contra a violência. De que forma, então, explicar a reação do meu colega?
Encontro a explicação agora, ao entrar nos estádios de futebol de Porto Alegre e constatar que, cada vez mais, há bestas travestidas de torcedores. Porque, quase sempre, os mais violentos não são os mais pobres e os mais incultos.
Esses destruidores do futebol, eles gastam dinheiro em bebida e em drogas, eles vestem camisetas caras, eles têm computadores e acessam a internet, eles combinam suas ações pelo orkut e pintam faixas com dizeres belicosos.
Não são despossuídos. Os despossuídos, os trabalhadores, os homens de verdade não têm tempo nem paciência para essas jericadas.
Os violentos, portanto, não são mocinhos que nunca sentaram num banco de colégio. Não. São apenas burros. Eis o que era também meu velho colega, agora o entendo: era instruído, mas era burro. E nada é mais poderoso, e perigoso, do que a burrice.
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