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quarta-feira, 17 de outubro de 2007
17 de outubro de 2007
N° 15391 - Diana Corso
Laços de família
Por força do trabalho e da curiosidade, meu pai era um eterno viajante. Sobre sua cama sempre havia uma mala sendo feita, desfeita ou refeita. Pela primeira vez ele foi sem mala, só com a roupa do corpo. Não que eu esteja convencida disso, mas desta vez ele não vai voltar...
Sua despedida foi sem traumas, ele tinha 86 anos bem vividos e um coração que perdia forças a cada dia, estávamos todos preparados, ele também. O que eu não sabia é que sua partida continha o epílogo de uma lição: a da experiência da família do coração, dos laços familiares de afeto.
Eu tinha apenas meses quando perdi meu pai. Alguns anos depois, meu padrasto, através de uma adoção legal e afetiva, tornou-se meu segundo pai.
Com ele veio também uma irmã, fruto de seu primeiro casamento, nove anos mais velha que eu, residente em outro país, que sempre foi uma amiga muito especial. São laços dados pelo destino, independentes do fluxo de cromossomos que se combinam de tal forma a emparentar pessoas.
Minha atual família iniciou-se por caminhos tortuosos: para salvar o filho do extermínio nazista, a família de um garoto húngaro de 17 anos, Janos, colocou-o num barco rumo à desconhecida América. Foi no Uruguai que o acolheu que ele se tornou Juan, e foi também lá que ele conheceu minha mãe.
A vida moderna privou-nos do convívio da família extensa. A mobilidade geográfica, a escassez do tempo e a desvalorização dos laços tradicionais fazem com que cada casal tente lançar sua própria pedra fundamental, criar e conduzir a família a seu modo. Reduzimo-nos a pequenos núcleos, de pais, avós e, com muitíssima sorte, alguns tios e primos.
Em função disso, lamentamo-nos do desamparo de referências em que ficamos, da fragilidade da autoridade parental, dos filhos que nunca amadurecem, dos pais que não sabem envelhecer.
As queixas são tantas que por vezes parecemos ter saudades da família opressiva, do pai-rei, hoje destronado, que tiranizava sobre o destino de sua prole (não choro por sua alma).
Há um velho ditado que diz que o acaso faz os parentes e a escolha, os amigos, mas aprendi que a escolha também faz os parentes. Não se trata de uma opção racional, apenas da cumplicidade oriunda do convívio, marcada pela tolerância. Isso pode ocorrer entre parentes consangüíneos ou entre amigos.
Na cerimônia de despedida do meu pai, compreendi, ao olhar para os lados, onde estavam os parentes-amigos e os amigos-parentes, que a família é hoje um conjunto mais vasto e que ela se transformou de modo muito interessante. A rede que nos conecta a outros seres já não possui caminhos óbvios.
Coloque grandes doses de história, tempere isso com características de personalidade, escolhas, desejos, conflitos e impasses, e sirva o destino de cada um. Daí resultam os laços afetivos que compõem as famílias que hoje fabricam, nutrem e educam os novos seres humanos.
E foi muito bom, por fim, aprender que sou hoje uma filha adotiva deste viajante que se foi, mas também que sou irmã, tia, sobrinha, cunhada e neta adotiva de muitos daqueles que partilharam essa despedida.
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