sábado, 27 de outubro de 2007



Os segredos do sexto sentido

Estudos apontam que a intuição é um processo que envolve a mente e até mesmo o coração. Aprenda a fazer melhor uso desse poder

CLÁUDIA JORDÃO E LENA CASTELLÓN
Colaborou Jonas Furtado

Quem nunca teve a sensação de que deveria mudar de escolha no último instante antes de tomar uma decisão? Para algumas pessoas, isso não passaria de um simples impulso. E não fariam caso dele.

Para outras, no entanto, é algo mais forte, que não se consegue definir com palavras no momento em que surge e que pode indicar a melhor alternativa para aquela situação. Dentro desse segundo grupo estão especialistas de universidades dos Estados Unidos e da Europa.

O que parecia impensável no passado virou realidade: centros de pesquisa estão estudando a intuição, um fenômeno que os dicionários classificam de capacidade de perceber ou discernir coisas, de modo imediato, sem depender do raciocínio.

No latim, intuitione significa “imagem refletida por um espelho”. À luz das descobertas da ciência, a expressão faz sentido. “Ela funciona como resultado de um processo mental realizado abaixo do nível da consciência”, diz o psicólogo Eugene Sadler-Smith, professor da Universidade de Surrey, na Inglaterra. É como se fosse um reflexo da mente que se manifesta como percepção repentina.

Com a estudante de enfermagem Luísa Perisseé, do Rio de Janeiro, os pressentimentos provocam inquietações. Uma vez, despertou agitada. Estava com a sensação de que havia algo errado em um relacionamento que já durava dois anos. Conversou com o namorado e ele afastou problemas. Depois, descobriu que estava sendo traída. “Terminamos”, conta.

Neste ano, Luísa estava quase acertando um novo namoro quando sentiu-se angustiada. Resolveu viajar, apesar de o candidato ter insistido que não fosse. A jovem fez as malas, conheceu outro rapaz na cidade para onde foi e hoje está com novo amor.

“Minha intuição me levou até ele.” Luísa não sabe explicar como surgem essas inquietudes, porém afirma que esses rompantes se referem a situações e pessoas. “Se não simpatizo com alguém logo de cara e mesmo assim não me afasto, me decepciono mais tarde.”

Para quem se habituou a encarar a intuição – também chamada de sexto sentido ou feeling (sensação em inglês) – como algo inexplicável ou místico, pode parecer estranho que ela tenha se transformado em objeto de interesse de pesquisadores. O sexto sentido conquistou, então, respaldo acadêmico? “Sim.

A ciência está começando a esclarecer os complexos processos mentais e corporais que estão por trás da intuição”, afirma Sadler-Smith, que lança nos próximos dias o livro Inside intuition (Por dentro da intuição, em tradução livre).

Na obra, o especialista inglês enumera trabalhos da psicologia social, da psicologia cognitiva (que estuda o modo como as pessoas aprendem, recordam e percebem) e da neurociência.

BATIMENTO O coração “sente” primeiro do que a razão: desacelera 6 segundos antes de uma decisão

À DISTÂNCIA Therezinha recebe avisos

Se depender da quantidade de pesquisas desenvolvidas recentemente, pode-se notar que há uma atenção especial para o sexto sentido. Uma delas, apresentada em julho, traz resultados surpreendentes.

Um grupo de dez bemsucedidos empreendedores do setor de tecnologia passou por uma bateria de testes psicológicos e fisiológicos aplicados por uma equipe dirigida por Murray Gillin, professor da Universidade de Swinburne, na Austrália.

Os voluntários acreditavam na intuição e diziam que isso os ajudou a enriquecer. Eles fizeram exercícios em que tinham de “investir” em empresas cujos dados eram ínfimos. Com a escassez de informações, tiveram de confiar em seus palpites. Ao final, as empresas foram reveladas. Parte delas era lucrativa.

As demais tinham fracassado em seus segmentos. O que os pesquisadores observaram é que aqueles que fizeram as boas escolhas demonstraram uma desaceleração no ritmo cardíaco seis segundos antes de assinalarem suas opções. “Descobrimos que o corpo passa por um pré-estímulo antes de o cérebro fazer a decisão.

Ele vem do sistema nervoso autônomo, que controla o coração, entre outros órgãos”, declarou Gillin. Para o neurologista Martin Portner, de Porto Alegre (RS), é mais uma prova de que o coração está virando um órgão sensorial. Gillin, entretanto, acrescenta que mais estudos devem ser feitos.

Outro trabalho demonstra que até mesmo nos erros se encontram pistas para compreender a intuição. Especialistas do Instituto Max Planck de Pesquisa Neurológica, na Alemanha, estão investigando um processo cerebral deflagrado milésimos de segundo após uma decisão errônea.

O mecanismo – uma onda elétrica – é acionado bem antes que a pessoa perceba realmente que se enganou (leia mais no quadro ao lado).

Ele serviria como um sinal do organismo para a pessoa corrigir o erro e ficar em alerta. Isso seria crucial, por exemplo, para evitar um acidente de proporções maiores. Uma opção errada de rota pode culminar em um desastre, a menos que o corpo avise logo que persistir no engano será pior.

“Para tomar decisões de modo intuitivo, um indivíduo deve ter experiências similares à situação enfrentada e aprender com elas. Monitorar os erros é pré-requisito para constituir a intuição”, diz o pesquisador Markus Ullsperger.

A multiplicação desses estudos é importante. Na ciência, leva-se tempo para uma nova idéia ser aceita. Principalmente quando remete a um campo polêmico.

“Fica difícil para um neurologista se posicionar quando se costuma ressaltar tanto o aspecto místico de um fenômeno.

Por isso, é interessante que essas pesquisas coloquem o tema em discussão de um jeito científico”, pondera o mineiro Rogério Gomes, da Academia Brasileira de Neurologia.

De fato, diversos livros exploram o lado esotérico e crenças espirituais. O mercado editorial vem produzindo também uma série de trabalhos no estilo auto-ajuda.

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