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terça-feira, 23 de outubro de 2007
23 de outubro de 2007 | N° 15396
Liberato Vieira da Cunha
Um poente de tempestade
A senhora me dirigiu uma frase educada e eu percebi que nem a frase, nem ela, me eram desconhecidas. A senhora era bela, como certas mulheres nórdicas. A frase era simples:
- Boa tarde.
Na verdade não era tarde. O dia estava recém anoitecendo, por conta de uma tempestade de primavera, mas nem esse acidente meteorológico, nem minha péssima memória ajudavam a decifrar a identidade da dama. De modo que só disse:
- Boa tarde.
Isso aconteceu há algum tempo. Um ano? Três anos? O que importa é que era um cumprimento de quem me conhecia. Preciso confessar ainda que essa era uma época em que as mulheres lindas me haviam condenado à pena do esquecimento.
E no entanto aquela agora me desejava boa tarde, mas não como uma simples fórmula de polidez. Havia em suas palavras um convite à dança, uma senha para não sei que secreto paraíso, uma chave para um castelo só por ela descoberto.
Você sabe quando isso acontece. Isso ocorre quando um gesto de cortesia não se contém em si próprio, quando é todo uma insinuação de prazer, quando é uma persuasão de cumplicidade, quando é uma sugestão de entrega e posse.
E eu tudo isso instantaneamente compreendi, mas só soube responder:
- Boa tarde
E aí aquela dama foi-se afastando por entre as bordas do entardecer e recolheu com ela sua infinita capacidade de sedução e seu modo de despertar desejo.
Até hoje a recordo. Lembro dela quando o universo me parece indiferente ou hostil, quando as pessoas fingem me ignorar, quando há um traço de dúvida sobre minha esperança.
Pois basta uma frase para desfazer meu desamparo, algo tão simples e promissor e único como uma bela senhora num poente de tempestade.
Uma ótima terça-feira para todos nós.
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