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segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Brasil S.A - Adeus esperança
Correio Braziliense
29/10/2007
Governo migra o discurso para justificar o crescimento da carga tributária
O debate sobre a prorrogação da CPMF e a reforma tributária fez o presidente Lula mostrar toda sua sagacidade. Aos poucos, introduziu novos tópicos no debate público e está mudando a visão dominante sobre a carga de impostos que é paga pelos contribuintes.
O consenso de que é absurdamente alta está sendo enterrado. No passado, o governo e até mesmo o presidente admitiram que era preciso contê-la.
Mas, pincelada a pincelada, Lula está pintando outra visão, mais permissível, que torna a carga tributária aceitável, até mesmo baixa. É o caminho para tirar mais dinheiro dos trabalhadores e das empresas.
O primeiro sintoma da mudança foi quando Lula advertiu que o Brasil “não pode ter medo de arrecadar mais”. Como se algum governo tivesse tido este medo... Pode ter outros: corrigir as distorções da estrutura tributária, enfrentar servidores que abusam da greve na cara dos ministros, enfrentar suscetibilidades e privilégios de políticos aliados, entre outros. De arrecadar mais, não.
A cada mês a Receita Federal anuncia um novo recorde de impostos pagos. Entre janeiro e setembro, o crescimento real (descontada a inflação) foi de quase 10%.
Os brasileiros pagaram R$ 435 bilhões em tributos de janeiro a setembro, volume inédito para o período. Todos os dias do ano choveram R$ 1,59 bilhão no Tesouro, inclusive nos finais de semana. Por outro lado, seu salário aumentou 10%, trabalhador? E o seu faturamento, empresário?
Outra cara
Em seguida, o presidente destacou que os impostos são necessários para sustentar os programas sociais, como o Bolsa Família. Mas esta não é a maior despesa do governo federal.
Nem de longe. A principal é a Previdência — aposentadorias e pensões —, seguida da folha de pagamento dos funcionários públicos e os juros da dívida pública, todas acima de R$ 100 bilhões por ano.
O Bolsa Família está na faixa de R$ 12 bilhões. Os investimentos públicos, cruciais para o país ser provido de uma infra-estrutura, pouco acima disso.
Há pouco mais de um ano, em agosto de 2006, Lula fez um discurso oposto. No dia 24 daquele mês, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, afirmou:
“precisamos trabalhar para melhorar a qualidade de nosso gasto, diminuindo as despesas de custeio para investir mais em infra-estrutura e ter condições de reduzir a carga tributária”.
E ainda: “precisamos ter juros menores e uma carga de impostos mais leves”. Será que aquele era outro Lula? Não, era outro momento, antes das eleições presidenciais. E outro governo.
Outra cabeça
No primeiro mandato, durante o período de Antonio Palocci na Fazenda, houve um debate sério sobre a carga tributária. Tinha outra visão de mundo. Ele chegou a propor, de forma ousada, a limitação das despesas do governo federal a 17% do PIB (Produto Interno Bruto). Seria um freio automático nos gastos.
O que excedesse o limite seria devolvido à sociedade com redução de impostos. O plano nunca chegou a receber um formato final. Nem detalhamento. Na verdade, nunca foi para frente.
Mas o aumento da carga foi. Guido Mantega trabalha com concepções diferentes. As reduções de alíquotas de impostos para setores pontuais, como forma de estimular os investimentos, é de um pragmatismo elogiável. No entanto, não faz parte de seu foco a queda da carga, que chegou a 34,23% do PIB em 2006, recorde.
Assim como havia sido em 2005 e 2004. Uma das primeiras coisas que anunciou é que não iria manter a proposta de limitar os gastos públicos. Ele também esqueceu que já falou sobre reduzir a carga tributária, mas seu discurso igualmente mudou.
Outra mágica
Agora, na discussão sobre a prorrogação da CPMF, o presidente faz trabalho de ilusionista. Diz que a receita anual de R$ 40 bilhões da contribuição é essencial para os programas sociais. E que haverá compensações no projeto de reforma tributária.
Só se for alguma proposta secreta de reforma, pois a que está sendo martelada pelo secretário de Política Econômica da Fazenda, Bernard Appy, — e ficou de ser enviada ao Congresso em setembro passado, mas ainda não chegou — não prevê redução da carga.
O que Appy disse é que será uma mudança para simplificar o sistema de arrecadação, não para reduzir a quantidade de dinheiro que o setor público suga da sociedade.
Da mesma forma, o ministro Mantega promete compensar no futuro o que vai receber agora da CPMF. Tem falado em redução dos encargos trabalhistas, mas de forma vaga. Não diz quanto, quando e como.
O governo abusa do momento para abdicar de compromissos assumidos publicamente. Como de não aumentar a carga tributária. Os empresários estão amortecidos com um crescimento econômico acima da média do país. Além disso, Lula sabe que parte das vendas da indústria e do comércio está sendo alimentada pela Bolsa Família.
Juntando tudo no discurso, desarma as críticas e joga neblina no tema. Na semana passada, durante a reunião com 100 empresários no Planalto, durante o debate sobre a carga tributária Lula teria exortado: “devemos ter lealdade ao país”.
Quando o excesso de impostos retira a competitividade do Brasil (como demonstrou a Fiesp no último estudo) e assusta investidores estrangeiros, onde fica a lealdade?
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