sábado, 20 de outubro de 2007



20 de outubro de 2007
N° 15394 - Ricardo Silvestrin


As crianças e os adultos

As crianças estão lendo. Há anos vou a várias escolas conversar com a gurizada que leu os meus livros. São leitores atentos.

Sabem todos os poemas. Quando começo a falar para eles os poemas dos meus outros livros, inclusive os escritos para adultos, que elas não leram, acompanham, admiram e se divertem. É o resultado do trabalho de várias professoras.

Mas também é uma evolução para algo muito simples: ler é só ler. É uma experiência pessoal e intransferível. Depois, pode ser compartilhada. Ler em grupo, em voz alta, comentar. Mas isso como resultado do ato primeiro, a leitura.

Então, quando vou às escolas, na grande maioria delas houve um momento consistente de leitura. Vejo muitos professores preocupados com que atividade fazer a partir dos livros. Contudo, de novo o óbvio: a atividade é a leitura.

E quanto mais se lê, mais é possível perceber coisas dentro do mesmo texto. E quanto maior nosso repertório de autores e textos, mais vamos formando nossa capacidade de enxergar o que antes não víamos. E ler fica mais do que ler.

Com os leitores pequenos, o legal é que eles lêem os meus livros de poemas sem contaminação nenhuma. Ninguém ainda disse para eles que o poema é o que ele não é.

Por exemplo, ninguém ainda reduziu o poema à emoção. Nem todo poema fala de ou com emoção. Um poema pode falar da observação de alguma coisa, de uma idéia, com humor, com contundência, enfim, há um campo enorme de realizações de um poema.

E quando alargamos nosso olhar para a poesia grega antes de Cristo, romana, chinesa, japonesa, vemos que há muito mais possibilidades criativas.

As crianças lêem o poema como ele deve ser lido: como um texto. Não ouviram mais bobagens como sendo uma coisa inefável, indefinível e outras mitificações que servem ao papo furado pseudo-literário.

Nem estão fixadas em rima. Como se a palavra só tivesse som no fim, na última sílaba e no final do verso. A palavra toda é som. A sonoridade no poema, se houver algum jogo sonoro, porque pode não haver, pode estar em qualquer parte do texto.

Depois que digo vários poemas, que leio os que elas pedem, que testo minha memória para conferirem se sei meus poemas de cor, respondo às perguntas delas. A maioria é sobre o fazer literário.

Querem saber do meu processo criativo. Como fiz os poemas, de onde tirei as idéias. Citam poemas e pinçam detalhes interessantes. Tudo pergunta de quem leu de verdade e foi pensando enquanto conversávamos. Nada de perguntas ensaiadas pela professora.

Porque, mais uma vez o óbvio: o que interessa é a leitura. O que eu tinha a dizer já disse criando os poemas. Estou ali como um acessório. Mas sou muito menos importante do que os meus livros. Eles são muito mais criativos e divertidos do que eu.

E vejo os adultos dizerem: é importante que as crianças leiam. Já aviso: elas estão lendo. E os adultos? Estão? E lendo coisa boa?

Vem aí mais uma Feira do Livro. Vamos ver se, em vez de estar Quando Nietzsche Chorou na lista dos mais vendidos, vai estar Nietzsche mesmo.

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