sábado, 20 de outubro de 2007



SEPARADOS?

O roteiro é baseado no livro de Alan Pauls. Sofia (Analía Couceyro) e Rimini (Gael) rompem, e ele se envolve com mulheres como Vera (Moro Anghileri, abaixo), mas Sofia não o deixa em paz

O filme O PASSADO, que estréia na sexta-feira 26, é um drama sobre a separação de um casal que se une na adolescência, convive 12 anos e rompe ao atingir a casa dos 30.

“A separação também pode fazer parte de uma história de amor”, diz o cartaz. Pode soar banal e virar comédia ou melodrama. Mas o diretor, Hector Babenco, em seu 11o longa-metragem em 34 anos de carreira, aborda o tema como um ensaio sobre a agonia da paixão.

A câmera acompanha a tensão entre o leviano Rimini (Gael García Bernal), tradutor, e a possessiva Sofia (Analía Couceyro), terapeuta. Como cenário, Buenos Aires chuvosa e européia, com seus parques e prédios neoclássicos. A certa altura, já envolvido com outras mulheres, ele é perseguido por Sofia, que, como um espectro, o faz lembrar dos tempos de inocência.

Ele se apaixona pela modelo Vera (Moro Anghileri), pobre e ciumenta. Mas não se satisfaz. Trabalhando como intérprete na palestra de um intelectual francês (Poussière, última cena de Paulo Autran no cinema), convida Vera para ir ao evento.

Lá está Sofia. Encurralado pelos dois amores, Rimini se declara de repente à colega Carmen (Ana Celentano), que traduz com ele a palestra. Rimini se descobre joguete do desejo feminino.

O recurso é se atirar aos braços de uma terceira. Não é uma solução, mesmo que o casal viaje (vai a São Paulo, retratada em dois ambientes sociais contrastantes, a Estação da Luz e a Bienal) e gere um filho.

Sofia quer reconquistar o amado, provocando turbulência. E seu amor degenera em obsessão. Ela o persegue, faz cenas de ciúme, implora por sexo, arrasta-o de volta à cena original da paixão – e chega a seqüestrar o filho do ex-marido.

Para comover Rimini, usa a coleção de fotos que mantém. É o ontem cristalizado que Rimini tenta evitar.

O Passado é o segundo filme de Babenco ambientado em sua cidade natal, com assunto intimista e baseado em história de autor argentino. O diretor, atuante no Brasil, ficou célebre com filmes de crítica social, como Pixote (1980) e Carandiru (2003).

Mas a Buenos Aires onde viveu a adolescência vem à tona, embora raramente. Isso ocorreu em Coração Iluminado, de 1996, com roteiro de Ricardo Piglia, sobre o retorno de um homem à cidade da juventude à cata do amor perdido. O Passado se baseia no romance de Alan Pauls, de 2003, recém-editado no Brasil pela CosacNaify.

O diretor ouviu falar de Pauls quando filmava Coração Iluminado. Piglia lhe falou de um menino que tinha tudo para virar um grande escritor. Anos depois, leu O Passado.

“O livro me pegou, eu dava berros lendo”, disse Babenco (leia o quadro abaixo). “A história não me saía da cabeça e liguei para ele. O livro parecia intraduzível para o cinema, um catatau com 500 mil enredos, mas notei que havia ali uma história que daria um filme.”

Enxugou a narrativa para se centrar nos amores e vaivéns de Rimini e Sofia. No roteiro, o processo de separação assume importância crescente. Aquilo que lembrava uma reles história de amor recebe as sombras da dúvida e do jogo de poder entre os sexos.

A separação se transforma numa fantasmagoria que domina as ações, os diálogos tensos e a fotografia escura. Por mais que os personagens tentem se livrar da energia negativa do rompimento, mais eles se aprisionam às lembranças.

O diretor faz uma ponta como projecionista de um cinema pulguento. Parece estar ali para dar duas lições. A primeira é chamar a atenção para o valor do antigo método artesanal de fazer filmes.

A segunda, mais profunda, é lembrar que o cinema tem uma função psicanalítica. A trama densa de O Passado martela no inconsciente da audiência. Inova por singrar na corrente contrária das modas do cinema atual.

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