terça-feira, 23 de outubro de 2007



23 de outubro de 2007
N° 15396 - Moacyr Scliar


Racismo e burrice

À medida que o conhecimento se especializa cada vez mais, uma constatação se impõe: dominar uma área específica da ciência, da tecnologia ou da administração não imuniza contra a burrice. Volta e meia ficamos surpresos ao ouvir de uma pessoa respeitável e famosa declarações inusitadas, quando não francamente absurdas.

No começo deste ano, o presidente da ultraprestigiosa Universidade de Harvard, Lawrence Summers, provocou protestos afirmando que, por razões genéticas, os homens eram superiores às mulheres nas áreas de matemática e de ciências.

Agora foi a vez do nobelizado biólogo James Watson, um dos descobridores do DNA, dar a sua contribuição ao crônico festival de besteiras. Watson declarou ao jornal britânico The Sunday Times que africanos são menos inteligentes do que ocidentais, o que tornaria sombrio o futuro da África.

No dia seguinte, e diante das repercussões negativas do pronunciamento, Watson veio com a clássica desculpa de que havia sido mal interpretado (a mídia sempre leva a culpa nesses casos).

Mas a verdade é que o cientista é reincidente; como Summers, também sustentara a idéia da inferioridade intelectual das mulheres. Mais que isto, defendeu a idéia de um "tratamento genético" para deixar mulheres feias mais bonitas (mas nenhum tratamento para deixar cientistas menos preconceituosos).

Summers e Watson não são casos isolados. A idéia da superioridade racial é antiga, teve, e tem, muitos adeptos e causou muitos estragos, mesmo quando parecia estar a serviço de ideais nobres, como foi o caso da eugenia, a ciência ou pseudociência que pretendia melhorar a espécie humana, e que no século passado era muito popular no Brasil;

havia inclusive um médico, Renato Kehl, que se transformou num paladino das idéias eugenistas.

Em nosso país, o alvo principal era a miscigenação. Combater os negros era inteiramente dispensável, porque negro, em geral, "conhecia seu lugar", tendo passado pelo conveniente treinamento da escravidão. O problema era o mulato.

A miscigenação era denunciada, inclusive na Bahia e principalmente na Bahia, pelo também médico Nina Rodrigues e seus seguidores da escola médico-antropológica baiana, como geradora de situações patológicas: neurastenia, tuberculose, loucura. Uma degeneração, enfim.

E aí veio o nazismo e mostrou a que ponto pode chegar a maluquice quando está a serviço de uma pseudociência. Não só judeus, mas também doentes mentais, ciganos, inválidos, os "seres inferiores", enfim, foram impiedosamente dizimados.

Hoje ninguém fala em eugenia, mas cientistas ou pseudocientistas continuam usando testes como o do QI (quociente de inteligência) para defender idéias racistas. Ignoram propositadamente que nestas avaliações o fator cultural desempenha um papel importante e capaz de distorcer resultados.

Ao fim e ao cabo, somos todos seres humanos, temos as qualidades, e as deficiências dos seres humanos. Isto é o que importa. O resto é ruminação de mentes distorcidas, sejam elas de cientistas ou não.

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