segunda-feira, 22 de outubro de 2007



22 de outubro de 2007
N° 15395 - Luis Fernando Verissimo


O que move a Humanidade

Existem muitas teorias sobre o que fez o Homem dominar o planeta e construir civilizações - enquanto o joão-de-barro, por exemplo, só consegue construir conjugados - e levar grandes mulheres para a cama - enquanto o máximo que um gorila conseguiu foi segurar a mão da Sigourney Weaver.

Dizem que o cavalo é mais bonito do que o Homem e que a barata é mais resistente, mas não há notícia de uma fuga a três vozes composta por um cavalo ou uma liga de aço inventada por uma barata.

Tudo se deveria ao fato de uma linhagem particular de macacos ter desenvolvido o dedão opositor, com o qual conseguiu descascar uma banana e segurar um tacape, as condições primordiais para dominar o mundo.

A vaidade, outra característica exclusivamente humana (o pavão também é vaidoso, mas não gasta uma fortuna com as penas dos outros para fazer sua cauda), também teria contribuído para que o Homem prevalecesse, pois de nada lhe adiantariam suas façanhas com o polegar, e com as mulheres, se não pudesse contar depois. Daí nasceu a linguagem, e com ela a mentira, e o Homem estava feito.

Mas eu acho que a verdadeira força motriz do desenvolvimento humano, a razão da superioridade e do sucesso do Homem, foi a preguiça. Com a possível exceção da própria preguiça, nenhum outro animal é tão preguiçoso quanto o Homem.

O desenvolvimento do dedão opositor nasceu da preguiça de combinar dentes e garras para comer e ainda ter que limpar os farelos do peito depois. A linguagem é fruto da preguiça de roncar, grunhir, pular e bater no peito para se comunicar com os outros e, mesmo, ninguém agüentava mais mímica.

A técnica é fruto da preguiça. O que são o estilingue, a flecha e a lança senão maneiras de não precisar ir lá e esgoelar a caça ou um semelhante com as mãos, arriscando-se a levar a pior e perder a viagem?

No que estaria pensando o inventor da roda senão no eventual desenvolvimento da charrete, que, atrelada a um animal menos preguiçoso do que ele, o levaria a toda parte sem que ele precisasse correr ou caminhar?

Dizem que a agressividade e o gosto pela guerra determinaram o avanço científico da humanidade e se é verdade que a maioria das invenções modernas nasceu da necessidade militar, também é verdade que o objetivo de cada nova arma era o de diminuir o esforço necessário para matar os outros.

O produto supremo da ciência militar, o foguete intercontinental com ogivas nucleares múltiplas, é uma obra-prima da preguiça aplicada: apertando-se um único botão se matam milhões de outros sem sair da poltrona. Uma combinação perfeita do instinto assassino e do comodismo. A apoteose do dedão.

Toda a história das telecomunicações, desde os tambores tribais e seus códigos primitivos até os sinais de TV e a internet, se deve ao desejo humano de enviar a mensagem em vez de ir entregá-la pessoalmente ou mandar um guri resmungão.

A fome de riqueza e poder do Homem não passa da vontade de poder mandar outros fazerem o que ele tem preguiça de fazer, seja trazer os seus chinelos ou construir as suas pirâmides.

A química moderna é filha da alquimia, que era a tentativa de ter o ouro sem ter que procurá-lo ou trabalhar para merecê-lo. A física e a filosofia são produtos da contemplação, que é um subproduto da indolência e uma alternativa para a sesta.

A grande arte também se deve à preguiça. Não por acaso, a que é considerada a maior realização da melhor época da arte ocidental, o teto da Capela Sistina, foi feita pelo Michelangelo deitado. Proust escreveu o Em Busca do Tempo Perdido deitado. Vá lá, recostado.

As duas maiores invenções contemporâneas, depois do antibiótico e do microchip, que são a escada rolante e o manobrista, devem sua existência à preguiça. E não vamos nem falar no controle remoto.

(Se você não desistiu na segunda linha e leu até aqui, é porque não tem preguiça. Conheço o seu tipo. É gente como você que causa os problemas do mundo. São vocês que descobrem quando o autor está com preguiça e reaproveita um texto antigo. E isso não é humano!)

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