terça-feira, 16 de outubro de 2007



16 de outubro de 2007
N° 15390 - Luís Augusto Fischer


Arena da nossa história

Em algum lugar do copioso romance O Homem sem Qualidades, Musil põe na boca de seu personagem central um aforismo banal e cheio de verdade:

diz ele, lá em suas palavras, que não há época mais nebulosa do passado do que aquele período que medeia entre os nossos 20 anos e os 20 anos de nossos pais. A frase me retornou à memória ao ler o excelente novo livro de Rafael Guimaraens Teatro de Arena - Palco de Resistência (Libretos, em mais um trabalho agradável de ver e ler).

O assunto, apontado no título, é o Teatro de Arena, aquele espaço singular da vida teatral e musical de Porto Alegre, situado nos altos do Viaduto da Borges; mas quase ninguém imagina o que se esconde por detrás da aparência simples:

uma história magnífica, nada menos que isso. Começa sendo a história de um maluco sensacional chamado Jairo de Andrade, o principal elemento inicial dessa história.

Imagine o leitor que no ano de 1966 ele era um sujeito chegado havia poucos anos de Uruguaiana, com emprego numa reparadora de geladeiras e uma enorme vontade de ser jornalista e, talvez, homem de teatro.

Ao descer o viaduto, numa noite, é atingido pelo mau cheiro que sai do porão de um edifício; aproxima-se e delira pensando que ali, naquele porão podre, pode ser inventado um teatro.

Ele e seus companheiros literalmente constroem o teatro, cavando o porão para alargar o espaço, até alcançarem o tamanho de uma arena e umas dezenas de lugares na platéia.

Esse mesmo Teatro de Arena que o senhor e eu conhecemos, sim, foi construído assim, uma idéia da cabeça, a força dos corpos reais dos atores, grana quase nenhuma, apoio oficial zero - e numa época das mais improváveis, o começo da ditadura militar que infernizou a vida de quem pensava e queria um país menos injusto.

O livro (talvez o melhor de Rafael Guimaraens até hoje) é um daqueles vira-páginas que dão gosto, porque relata a experiência em foco, a de Jairo, a de Marlise Saueressig e de vários outros teatreiros,

assim como a da geração que veio depois, com Paulinho Albuquerque e Luciano Alabarse e mais os caras da música, Carlinhos Hartlieb à frente, ao mesmo tempo que vai dando notícia sobre a vida da cidade e do país, entre aquele 66 e nosso tempo.

Uma companhia maravilhosa para pensar aquele tempo, o tempo musiliano dos atuais jovens.

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