sábado, 27 de outubro de 2007



28 de outubro de 2007
N° 15401 - Moacyr Scliar


Um dia sem e-mail?

Há quem não fique um dia, uma hora sem checar suas mensagens. Por isso, corporações estão lançando o "Dia sem E-mail"

Queridos e inteligentes leitores, por favor leiam com atenção o texto abaixo.

Casal se divorcia após descobrir que flertava pela internet. Um casal residente na cidade de Zenica, na Bósnia-Herzegovina, estava com problemas no casamento. Por causa disso, os dois iniciaram contatos pela internet e, sem saber de suas identidades, trocaram e-mails e acabaram se apaixonando. Quando a relação se tornou séria, resolveram se encontrar, e então descobriram quem eram. O casal decidiu se separar.

Leram? Agora respondam que tipo de texto é este:

a) Um miniconto escrito por um autor da nova geração;

b) Resumo de um filme que vai estrear em breve;

c) Uma autêntica notícia de jornal.

Quem apostou na última resposta acertou. O fato aconteceu mesmo, comprovando o que muitas vezes já se disse, que a realidade não raro é mais estranha que a ficção.

Em segundo lugar, a história demonstra a crescente importância que os e-mails têm em nossas vidas. Fala-se já de uma dependência do computador: há pessoas que não podem passar um dia, uma hora, sem checar suas mensagens. Não por outra razão corporações americanas (e a Intel é um exemplo recente) estão lançando o Dia sem E-mail, que em geral é a sexta-feira (os adictos ao correio eletrônico lembrarão que este é o dia das bruxas). Qual a razão da campanha?

Seria o fato de que, nas empresas, as pessoas já não falam com as outras, mesmo que estejam sentadas lado a lado: preferem se comunicar pelos e-mails. O número de mensagens cresce assim exponencialmente, ao ritmo de quase 30% ao ano, o que não deixa de ser estressante:

um estudo feito pela Universidade de Glasgow mostrou que pessoas checam seus e-mails até 40 vezes por dia, o que, convenhamos, é um exagero. Isto não significa que as pessoas estejam dispostas a aderir ao Dia sem E-mail. Ao contrário, acham que isto é uma arbitrariedade, e não foram poucos os protestos que se registraram nas empresas.

Agora: não deixa de ser irônico que o pessoal resista a trocar a comunicação escrita pela oral. Durante muito tempo, teóricos da comunicação sustentaram que o texto escrito estava morto, que o negócio agora era a imagem ou a fala.

Não é verdade. As pessoas preferem escrever, ainda que escrevendo à maneira da internet, com aqueles peculiares códigos. Mais que isto, escrever significa penetrar em um novo território, viver uma nova vida.

E aqui retornamos àquela história do início. É possível, vocês perguntarão, um casal se odiar na rotina do cotidiano e se apaixonar através de e-mails? É possível, sim. Porque não estamos falando das mesmas pessoas.

O homem que escreve os e-mails não é o mesmo que arrota na mesa do jantar ou urina no tampo do vaso. A mulher que escreve os e-mails não é a mesma que anda pela casa de roupão rasgado ou que reclama do marido. Eles passaram por uma metamorfose, através da palavra escrita.

Que, no caso, equivale quase a uma palavra mágica. A pergunta que se pode fazer é: não será isto que faz a mágica da literatura? Não será isto que nos transforma em admiradores incondicionais dos grandes escritores? Uma resposta que vocês podem dar na Feira do Livro deste ano.

Falando em livros, o JerônimoTeixeira, que trabalhou aqui na Zero Hora, está lançando, pela Bertrand Brasil, nova edição de As Horas Podres, novela inspirada num crime ocorrido em Estância Velha e que demonstra seu talento de narrador ficcional.

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