sábado, 20 de outubro de 2007



21 de outubro de 2007
N° 15395 - Paulo Sant'ana


O milagre da televisão

Já fiz uns 80 Jornal do Almoço no Interior. Percorri como um mascate todo o Rio Grande do Sul, num exercício delicioso de sentimentalidade.

Ainda na sexta-feira, fui a Igrejinha para a Oktoberfest de lá.

Quando volto, trago os bolsos cheios de mensagens carinhosas dos telespectadores, cestos e cestos de doces e de bombons, garrafas de vinho e de cachaça, fumo em rolo, vidros com melado e doces em calda, camisetas dos clubes de futebol locais, fotografias de craques do passado,

cucas, pedaços de lingüiça, nacos de nabos e cabeças de beterrabas, gaiolas com pássaros e ratos, até um filhote de gato siamês uma vez me presentearam em Cruz Alta.

É uma ânsia das pessoas em agradar-nos. Quando desço do carro ou do ônibus que nos leva e traz pela viagem, sou obrigado a contratar sempre alguém para me ajudar a transportar todas as quinquilharias e frutos da terra que me presenteiam.

É uma ânsia emocionada das pessoas em transmitir-nos a sensação de que somos parte de suas vidas pelo convívio estreito que se estabelece durante décadas entre o apresentador de televisão e os telespectadores.

Há pessoas que se destacam do meio da multidão nas praças em que nos apresentamos e nos beijam e abraçam, banhadas em lágrimas, dizendo-nos que aquele encontro significa o momento em que mais sonharam durante a vida, a mim me deixam aparvalhado pelo que me parece um exagero, mas a sinceridade de suas palavras e gestos acabam por comover-nos.

Quanto maior a distância de Porto Alegre das cidades, maior é o fervor dos telespectadores com a nossa presença.

Em sua simplicidade, as pessoas parecem encarar os apresentadores de televisão como seres mitológicos, a quem nunca terão acesso. E quando de repente eles visitam sua cidade, consideram isso um prodígio e são tomados por um arrebatamento incontível.

Se é assim comigo, imagino como será se aparecer numa dessas cidades gaúchas que por vezes visitamos os artistas da Globo, como um Lima Duarte, um Tony Ramos, um Thiago Lacerda, uma Priscila Fantin.

Devem rasgar-lhes das roupas. A televisão é uma milagrosa relação entre os que a fazem e o público telespectador.

O público considera os artistas e apresentadores como integrantes de sua existência, como personagens de sua rotina, como familiares com quem se encontram todos os dias e não podem deixar de vê-los.

E como eu já faço o Jornal do Almoço há 36 anos, foram já cerca de 12 mil programas de que participei, com abrangência diária em todo o Estado, sou mais conhecido que Coca-Cola nos recantos gaúchos todos.

Doze mil programas compreendem várias gerações. Há pessoas que começaram a nos ver quando eram crianças, dizem-me elas no Interior, e hoje já são avós.

E vão lá no banco da praça da cidade que visitamos e levam seus filhos e netos, como se estivessem nos dizendo que nossas figuras se transmitem como heranças genéticas entre seus familiares.

Que programa de sucesso este Jornal do Almoço! Há 36 anos no ar, dominando a audiência no horário, ligado ao gaúcho como chimarrão.

É muito difícil um programa de televisão enraizar-se assim tão perpetuamente numa terra e num povo. Para mim, um delicioso espectro da minha vida.

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