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terça-feira, 23 de outubro de 2007
23 de outubro de 2007
N° 15396 - Paulo Sant'ana
Fugiu querendo ficar preso
Contrariando as expectativas gerais e oficiais, o mais famoso foragido do Estado, Cláudio Adriano Ribeiro, o Papagaio, apresentou-se ontem no recinto do Tribunal de Justiça, disposto a cumprir a sua pena, dois dias depois de ter fugido.
Isso nunca se viu em toda a história penitenciária: um detento fugiu para ser preso. Um detento fugiu para cumprir a pena. Um detento fugiu para apresentar-se à Justiça. Não há registro de tal acontecimento singular no âmbito das execuções penais brasileiras.
Até mesmo as autoridades que reclamaram com proveniência da decisão da Justiça em conceder o regime semi-aberto a Papagaio ficaram perplexas.
Como um assaltante tão conhecido pôde assim renunciar tão solenemente à liberdade, demonstrando de forma tão cabal que quer cumprir a sua pena?
Como pode e como pôde? Pelo menos até ontem, ninguém mais pode duvidar que Papagaio é sincero quando acata os trâmites e quer seguir carreira na progressão de regime (benefícios) para regenerar-se.
Foi tão grande o impacto positivo causado pela atitude de Papagaio em apresentar-se espontaneamente à Justiça, que ele saiu do recinto do Tribunal como entrara, sem algemas - e direto para o Albergue Pio Buck, em Porto Alegre, para onde ele queria ser recolhido, alegando estar seriamente ameaçado de morte no albergue da Penitenciária Estadual do Jacuí, onde estava recolhido quando fugiu.
Quando Papagaio fugiu no sábado, eu raciocinei como raciocinaram todos: criminoso não tem cura mesmo, concederam-lhe o benefício de progressão de regime, passaram-no para o semi-aberto, sob protestos de promotores e delegados, que advertiram que ele deveria prevalecer-se das facilidades oferecidas pela nova condição e fugir, não se pode mesmo confiar em apenados.
Pois quebrei a minha cara. Ele apenas queria chamar a atenção da Justiça para o seu pleito de ser transferido de albergue. Segundo ele, para que sua vida seja preservada.
Eu já tinha visto de tudo na vida prisional. Já vi inúmeros criminosos se apresentarem à Polícia ou à Justiça de modo espontâneo para cumprir pena.
Já vi detento, extinta a pena, implorar para que permanecesse preso. Já vi até ex-detento cometer pequeno delito para poder retornar à prisão, sufocado, amassado pela liberdade, sem saber o que fazer fora dos limites da prisão.
Já vi até detento cometer novo delito dentro da prisão para poder permanecer lá por mais tempo.
Pensei que já tinha visto de tudo, mas agora me belisco para ver se não estou delirando: Papagaio fugiu para ficar preso. Papagaio fugiu para cumprir a pena.
Papagaio fugiu da prisão com a finalidade única de voltar à prisão. Isto é inédito, incrível, extraordinário.
Sinto declarar que, respeitando este aluvião justificado de opiniões enérgicas contra criminosos que domina o clima de ânsia penal brasileira, que estamos diante de um episódio de conduta profunda e altamente respeitável de um apenado.
É impossível desconsiderar um tal gesto. Temo ali adiante ser desmoralizado por Papagaio. Mas a impressão que ele deixa é de que quer regenerar-se.
E o regime semi-aberto é uma instituição criada para a regeneração dos criminosos, o mais sublime dos objetivos da pena.
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