sexta-feira, 19 de outubro de 2007



19 de outubro de 2007
N° 15393 - David Coimbra

O sorriso de Olívio

No meu tempo de repórter de política, recebi do jornal a incumbência de contar como vivia Olívio Dutra, então prefeito.

Cumpri o roteiro dos repórteres que tentam contar quem é Olívio Dutra - sim, existe um roteiro. Bem cedo, estava de bloco em punho diante do prédio encardido onde ele morava, numa ponta da encardida Assis Brasil, e ainda era cedo quando tomamos um ônibus encardido rumo à prefeitura.

Olívio viajou de pé, o bigode frondoso apontando para a paisagem que passava do lado de fora da janela. Descemos na Praça XV. Enquanto ele caminhava apressado pelo Centro, o fotógrafo cochichou ao meu ouvido:

- Pede a ele para sorrir para a foto! Pedi. Olívio me encarou com surpresa. - Mas não estou com vontade de sorrir... - respondeu.

E não sorriu.

Apesar do desgosto do fotógrafo, encantei-me com a autenticidade de Olívio Dutra, e tomei o episódio como um símbolo da maior qualidade do seu partido: a coerência. Foi fermentado por tal coerência que o PT cresceu.

Era algo novo no Brasil, um partido que participava do jogo democrático sem fazer concessões iníquas em troca do poder. E o PT ensinou aos outros partidos que coerência e sucesso não são excludentes, na política.

Foi esse o grande bem e o grande mal que o PT fez ao Brasil. O PT mostrou que a política séria é possível, que a política séria até existe, mas, elevado ao ponto mais alto ao qual um partido pode se alçar, atirou-se na incoerência.

Alguém pode argumentar que nem todos no PT são incoerentes. Por exemplo, Olívio Dutra, que, de fato, continua sendo um autêntico,.

Mas, ora, também há autênticos no PMDB, como Pedro Simon, e nenhum partido é mais fisiológico do que o PMDB, que topa todas as perversões por um carguinho. A ponto de o próprio Simon negar o PMDB. Simon vive num idealizado MDB, partido que ele pensa ter existido.

Já o PDT, se não é tão fisiológico quanto o PMDB, leva a incoerência em seu programa. O PDT orgulha-se da sua incoerência, embora seja o único partido com um projeto de governo, no Brasil. Do PDT pode-se esperar tudo, até um plano honesto de educação.

Pior talvez sejam os sucedâneos da antiga inimiga do MDB de Simon, a Arena. Também a Arena tinha coerentes e honestos, como Marchezan, mas tratava-se de uma frente incoerente per se: como podia um partido que apoiava a ditadura considerar-se democrata? Talvez seja para fugir dessa contradição que os sucessores daquela frente se denominam hoje, exatamente, Democratas.

Eis o drama do PT: é um partido onde há coerentes e honestos. Como todos os outros. E, como todos os outros, é inconfiável. Foi esse o mais dolorido golpe que o governo Lula aplicou no brasileiro.

Não foi a corrupção, não foi a incompetência. Foi a incoerência. Mas o recado está dado. Talvez algum dia se forme um partido autêntico no Brasil. Um partido que, aleluia!, não aceite sorrir para sair bem na foto.

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