sexta-feira, 19 de outubro de 2007


Juremir Machado da Silva

CULTO À BREGUICE

Eu adoro breguice. É o meu lado pós-moderno. Gosto desta mistura sensacional de mau gosto com modernidade requentada e afetação de shopping center.

Vou até começar a freqüentar a Padre Chagas. O chique é sempre brega. Por definição. Tudo se copia. Viva o país do plágio! O direito autoral é coisa do passado. José Simão é brega. Arnaldo Jabor é brega.

A Playboy é muito brega com suas piranhas peladas e seus senadores peludos. Caetano Veloso é brega. Fátima Bernardes e William Bonner fazendo papel de casal 20 há 20 anos (até parece) são terrivelmente bregas. Tudo é brega. Nada escapa da breguice cultural.

É uma filosofia de vida, uma atitude, uma visão de mundo. Todos são bregas. Lulla devia chamar-se Brega da Silva. FHC já era Brega Cardoso. Collor foi a coroação do brega.

Amo o Brasil. Nosso país é deliciosamente brega. Temos o DNA da breguice. Somos barrocos e barracos. Nosso maior ídolo é o megabrega Roberto Carlos, com sua cabeleira de índia velha e seus melôs do abandono. Eu choro ouvindo 'Detalhes'. Choramos muito quando morreu o Ayrton Senna, o mais brega de todos os pilotos da história da Fórmula 1.

Nélson Piquet é menos brega, embora muito mais grosso. Nada mais brega do que aquele ar romântico do velho Chico Buarque fazendo olhinhos doces para as cinqüentonas adolescentes e livrinhos poéticos para os leitores ocasionais e os críticos de ocasião.

É breguice para classe média auto-satisfeita. Tem também a breguice básica para a massa. Zeca Pagodinho e todos os bebedores de cerveja não me deixam mentir. Na televisão, todas as novelas são bregas. Uma é sempre mais brega que a outra.

Agora, entre nós, brega mesmo é a Fernanda Montenegro como grande dama da dramaturgia fazendo todos aqueles papéis babacas em dramalhão eletrônico. A intelectualidade brasileira é brega com suas citações de Antonio Gramsci, Gilles Deleuze, Foucault, Marx e, se duvidar, Lênin, Chomsky e Fidel.

A melhor parte da música brasileira é maravilhosamente brega. Quase todas as músicas falam de amor, traição, ciúme, perdão e outras breguices clássicas. Imaginem só: 'Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar'.

É genialmente brega. Depois vem a breguice sem genialidade. Até Wanessa Camargo é cantora. Sem contar Sandy e Júnior. E Nando Reis! Esse é um caso de escola com sua breguice zen. Tim Maia era imensamente brega. Poucos cantaram tão bem a cornitude.

Eu vou radicalizar: é impossível fazer boa arte no Brasil sem uma dose importante de breguice. O maior gênio musical do Rio Grande do Sul era brega da cabeça aos pés: Lupicínio Rodrigues. Alguém discorda?

Na verdade, a cultura brasileira divide-se rigorosamente em duas partes: a breguice genial e a breguice imbecil. Cartola encarna a breguice genial. Ninguém levou tão longe a breguice como obra-prima. O homem foi um monumento ao brega como arte transcendental. Ivete Sangalo é a breguice gostosona.

Canta com as coxas. Viva a breguice crônica. Enfim, tudo é brega ao Sul do Equador. O cinema brasileiro é totalmente brega. É a breguice de filhinho-de-papai feita com dinheiro público. E a literatura brasileira? Essa é um festival de breguice sem leitores.

A poesia só escapa da breguice quando se torna artificial e cerebral como em João Cabral de Melo Neto. Viva o plágio. Viva a breguice genial. Viva o barraco barroco!

juremir@correiodopovo.com.br

Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana para todos nós.

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