sábado, 20 de outubro de 2007



20 de outubro de 2007
N° 15394 - Cláudia Laitano


Furacão histórico

Meu primeiro encontro com a História - escrita assim, com um H à altura dos acontecimentos - foi a queda do Muro de Berlim, há quase exatos 18 anos.

Como gerações anteriores diante da chegada do homem à Lua ou do suicídio de Vargas, vimos o Muro virar farofa com a convicção absoluta de que os desdobramentos daquele acontecimento eram imprevisíveis.

E não só isso. A experiência de assistir, ainda que pela televisão, a uma cena que as gerações seguintes vão rever muitas vezes - imaginando, talvez, como terá sido aquele momento, o que terá significado,

ou não, para quem estava perto demais para calcular as reais dimensões do acontecimento - dá um certo barato, um friozinho na barriga que não vem das nossas coisinhas cotidianas, sempre tão absorventes, mas de uma sensação aguda de pertencimento ao lugar e à época que nos couberam.

Mesmo diante do horror do 11 de Setembro, a sedução do momento histórico é arrebatadora. Ver a História acontecendo em tempo real, com transmissão ao vivo para a nossa sala de estar, pode ser perturbador ou excitante, assustar ou dar esperança, mas jamais nos deixa indiferentes.

Não sei se foi o mundo que se tornou mais inquieto ou se fui eu que comecei a prestar mais atenção, mas o fato é que os "momentos históricos" parecem ter se tornado mais freqüentes.

É mais comum, nos dias superconectados que vivemos, a impressão de que estamos diante de algo que nunca vimos antes - seja uma engenhoca de utilidade duvidosa ou uma nova maneira de encarar problemas já não tão novos, como o aquecimento global, por exemplo, que de discurso de especialistas passou a tarefa de casa das crianças em um piscar de olhos.

Talvez fosse necessário criar a categoria "momentos nano-históricos" para dar conta de todos aqueles eventos que, sem a grandiloqüencia da Queda do Muro ou do 11 de Setembro, mudam o nosso dia-a-dia, a nossa casa, os nossos hábitos, de maneira definitiva.

Nas duas últimas semanas, o mundo da música viveu definitivamente um momento histórico (nano? mega?). A banda britânica Radiohead, uma das maiores (e melhores, na opinião desta fã) em atividade, lançou no início do mês uma provocação aos fãs e à indústria fonográfica: um disco pelo qual cada um decide o que paga.

Foi a resposta mais criativa e revolucionária, até agora, a um impasse sem solução definitiva à vista, a forma como os músicos e a indústria do disco vão enfrentar o irreversível processo de compartilhamento de arquivos musicais pela internet. O Radiohead pagou para ver, e os resultados são impressionantes.

Lançado no último dia 10, o álbum In Rainbows foi baixado cerca de 1,3 milhão de vezes do site da banda. Cada pessoa pagou, em média, cerca de R$ 14,50 pelo disco, gerando cerca de R$ 18 milhões para a banda - sem intermediários.

A quantidade de downloads ilegais, no entanto, deve superar os legais em alguns dias, o que significa que, mesmo escolhendo o que pagar, ou não pagar, pelo disco, a maioria dos usuários preferiu o caminho alternativo.

O que nos leva a pensar: como os artistas vão estar ganhando dinheiro daqui a 10 anos? Ainda existirão gravadoras e grandes estúdios de cinema? Como conciliar o fenômeno do compartilhamento de músicas, filmes e textos com a justa remuneração pela criação?

Será que um dia os livros serão seriamente ameaçados pela pirataria virtual também? Não sei, não sabemos. Estamos no olho deste furacão histórico - e essa é a parte mais divertida de toda esta conversa.

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