domingo, 28 de outubro de 2007


DANUZA LEÃO

As dependências

Será que vício se escolhe? Se a resposta for sim, tente se viciar em alegria; ela não intoxica nem faz mal à saúde

TODOS OS QUE dependem de alguma coisa para viver são dependentes, certo?

Dependente é uma palavra criada para não usar a outra, mal vista: viciados. Os que se acham superiores, por fazer parte da turma saudável que tem horror ao cigarro e às bebidas, acham que não têm nenhum vício; será?

Alguns têm o hábito de acordar, abrir a geladeira e encontrar, prontinho, seu suco de cenoura, açaí e mel, que a empregada preparou. Mas na segunda-feira ou ela chega atrasada ou não chega, a síndrome das segundas.

Nessa hora, o que fazem esses, que não têm vício nenhum? Descem e rumam desatinados para uma loja de sucos, e ai de quem ousar achar qualquer semelhança entre eles e aquele verme viciado em nicotina que sai de madrugada procurando desesperadamente um botequim para comprar um maço de cigarros. Nada a ver, claro.

Tomar vários cafezinhos por dia, o chope na saída do trabalho e três caipirinhas antes da sagrada feijoada de sábado são considerados vícios, porque fazem mal à saúde. Mas existem coisas saudabilíssimas e tão viciantes quanto qualquer droga considerada pesada.

Correr de manhã, escovar os dentes depois das refeições, chegar em casa e ir direto para o chuveiro, entrar no carro e ligar o rádio, por acaso não são hábitos, isto é, vícios? Claro que são, e tem o maior de todos: a televisão.

Existe gente que chega em casa e a primeira coisa que faz é ligar a TV; as teclas do controle remoto já estão gastas, mas como achar forças para desligar o aparelho, mesmo na hora de dormir? Para isso existe a tecla timer, para a televisão desligar sozinha em 90 minutos. Isso é que é amor -e vício.

Existem dois tipos de homem: os normais e aqueles que vivem falando que não podem passar um dia sem transar. Como o dia só tem 24 horas, e todos têm que dormir, trabalhar, almoçar, jantar, ler os jornais e ver televisão, fica apenas uma dúvida: o vício é a transa ou falar da transa?

Comentar sobre a riqueza das pessoas -não importa de quem- também é uma mania. Há quem delire quando fala do gângster que acendia charutos com uma nota de US$ 100 ou do sultão de Brunei, que tem torneiras de ouro nos seus banheiros.

Outros só ficam felizes quando falam de tristezas e tragédias. Uma boa doença é um prato saboroso e inesgotável, e é com volúpia que contam o resultado do exame de sangue, o seu e o dos outros; e adoram dar palpites, sempre achando que a coisa pode ser bem mais grave do que parece.

Existem os viciados em psicanálise, que estão contando há 30 anos suas histórias para o analista -pobre dele- e os que têm tudo para serem felizes mas passam o tempo procurando e encontrando razões para se queixar da vida.

Todos temos nossos vícios; os que fazem mal à saúde -e nesses os amigos, a família e até o governo se metem- e os que são altamente considerados pela sociedade, como trabalhar à noite e nos fins de semana ou se sacrificar por alguma causa. Esses são louvados em prosa e verso.

Será que vício se escolhe? Se a resposta for sim, tente se viciar em alegria; ela não intoxica nem faz mal à saúde, e usada em altas doses é capaz até de mudar o mundo, mas cuidado: pessoas alegres não costumam ser levadas a sério.

Por isso, quando estiver perto dos sérios de carteirinha, é prudente nem sorrir, e mostrar-se extremamente preocupado com a situação em geral. Porque os sérios só acreditam em quem faz cara de sério, o que também é um vício -e dos piores.

danuza.leao@uol.com.br

Excelente domingo e que seu time vença o adversário de hoje

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