03
de fevereiro de 2013 | N° 17332
MarthaMedeiros
A Pequena Vítima de Salve Jorge
Criança
só custa caro quando é educada por duas criaturas mais infantis do que ela
Quando
Salve Jorge começou, disse a mim mesma que não veria um único capítulo. Ainda
estava meio surda por causa da gritaria de Avenida Brasil e queria minha paz de
volta. E assim foi: não assisti aos primeiros capítulos. Mas aí, um dia, gostei
de adiante lembrei que o ótimo Alexandre
Nero estava no elenco, além do colírio do Domingos Montagner, e passei a
simpatizar com a maquiavélica Wanda de Totia Meireles, e quando dei por mim,
havia sido capturada para o dramalhão mais inverossímil da televisão brasileira
– ou alguém consegue aguentar a moscona da Morena que, com a finada Jéssica,
passava as tardes na casa da delegada sem conseguir denunciar que havia sido
traficada?
Me
irrita a trouxice das personagens femininas da maioria das novelas. Acho louvável
que a autora Gloria Perez procure usar o maior petardo da programação da Globo
para trazer à tona assuntos pouco discutidos pela sociedade, como é o caso do
tráfico de pessoas, mas a forma canastrona com que esses dramas costumam ser
apresentados faz com que eles pareçam pouco reais.
O
que tem me deixado chocada nessa novela não é a seringa que o personagem de
Claudia Raia leva na bolsa para algum imprevisto ou os tapas que o parrudo
Russo distribui no cativeiro das beldades. O que me cala e me constrange é uma
criança que está sendo manipulada pelo pai
em meio a um divórcio litigioso. Aquilo ali, sim, é real, muitíssimo
comum e igualmente criminoso.
Não
consigo imaginar nada mais brutal do que dizer para um filho: “Tua mãe não te
ama”. O mesmo vale para mães que dizem isso aos filhos a respeito dos pais. Quem
faz essa covardia com uma criança é quem verdadeiramente não a quer bem. Usar o
sentimento de inocentes a fim de atingir um cônjuge que passamos a odiar é de
uma agressividade tão letal quanto uma injeção no pescoço, tão dolorido quanto
um soco de um brutamontes.
Nem
todos que agem assim o fazem por maldade. Muitos o fazem por ignorância. Mas até
ignorantes deveriam possuir alguma sensibilidade para entender que uma criança
necessita de segurança emocional e não de ser envolvida nas brigas de um casal
que um dia resolveu se unir, e que mais adiante resolveu se separar. Casamento
não precisa ser para sempre, mas a responsabilidade parental, sim.
Crianças
não conseguem processar direito o que vivenciam. Assumem culpas que não
possuem, fantasiam abandonos, se responsabilizam pela infelicidade dos pais, e
pior do que tudo, se sentem desprotegidas em um lar briguento. Crescem e se
tornam homens e mulheres paranoicos, inseguros, acovardados diante da vida.
É uma
tecla insistentemente batida, mas pouco escutada: criança precisa ser amada. Não
precisa de um iPhone aos nove anos, não precisa ir a Disney antes de ser alfabetizada,
não precisa de um guarda-roupa de estrela de cinema. Precisa ser amada. Sai de
graça.Só custa caro quando é educada por duas criaturas mais infantis do que
ela.
Um comentário:
Alienação parental - esse é, infelizmente, comportamento mais comum do que se pensa, quando casais se separam. As grandes vítimas? Os filhos! Marta Rochedo, Pelotas.
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