Seu sorriso vale 1
milhão
Felicidade
na empresa pode ser lucrativa
RESUMO
Tendência
no mercado editorial e na cultura corporativa, a busca pela felicidade no
trabalho é tema de livro-reportagem sobre empresas que buscam implantar
programas de satisfação entre seus funcionários. Entre ideologias importadas,
experiências originais e macaqueações, autor esquadrinha onda no Brasil.
ADRIANA
KÜCHLER
No
extEnso arco que vai de Sêneca a Gabriel Chalita, de 2010 para cá
enfileiraram-se nas prateleiras das livrarias brasileiras mais de 350 livros
com "felicidade" ou seus derivados no título. Nada mais sintomático:
assim como a profusão de obras sobre dietas indica uma sociedade obesa, a
obsessão pessoal e corporativa pela felicidade é sinal do descontentamento
generalizado.
Foi
"inspirado pela falta de felicidade" que o jornalista Alexandre Teixeira,
41, decidiu investigar a felicidade no trabalho. Depois de anos entrevistando
executivos para uma revista de negócios, percebeu que o "brilho nos
olhos" vendido por muitos deles escondia uma "crise de
felicidade".
O
resultado está em *"Felicidade S.A.- Por Que a Satisfação com o Trabalho É
a Utopia Possível para o Século 21" [Arquipélago, 288 págs., R$ 45]*, que
chega às livrarias nesta semana.
Mesclando
economia, psicologia e filosofia, Teixeira repassa diversas teorias badaladas
sobre o tema, de autores como o filósofo suíço Alain de Botton, o economista
brasileiro Eduardo Giannetti e o psicólogo e Prêmio Nobel americano Daniel
Kahneman.
Ele
discute questões como a baixa correlação entre salário e felicidade e especula
sobre a possibilidade de o dinheiro estar perdendo importância, em benefício de
conceitos mais complexos (e muitas vezes vagos) como tempo, propósito e
significado.
Estudos
citados no livro mostram que "gerenciar a felicidade" pode ser
lucrativo. Pesquisa do instituto Gallup estima que o custo do desengajamento
nos EUA seja de US$ 300 bilhões anuais em perda de produtividade.
"É
uma reportagem sobre o mundo do trabalho, que pretende estimular a
reflexão", diz. "Não espero que ninguém largue o emprego depois de
ler o livro. Só acho que as pessoas pensam pouco sobre por que fazem o que
fazem."
Para
ele, as empresas se preocupam muito com o meio ambiente e pouco com o clima
dentro delas mesmas, "e este talvez seja o aspecto mais ignorado de todo o
atual debate sobre sustentabilidade".
Ele
afasta, no entanto, fórmulas mágicas para atingir a felicidade: "De guru,
só tenho a careca", diz.
Folha
- Uma das teses de "Felicidade S.A." é que dinheiro e sucesso vêm
perdendo terreno no mundo do trabalho para a busca de um propósito no que se
faz. A teoria se aplica ao Brasil e seu crescente mercado consumidor?
Alexandre
Teixeira - Colocar na balança o peso que se dá para dinheiro e qualidade de
vida é uma tendência no mundo empresarial e entre os que podem fazer essa
opção. É um grupo pequeno, que na tecnologia é chamado de "early
adopters" (pioneiros no uso de uma novidade). Nos EUA, esse universo é
maior, mas no Brasil ainda é relativamente pequeno.
Somos
emergentes e é improvável que a nova classe média esteja mais preocupada com
propósito do que com dinheiro. Mas já se sabe que dinheiro traz felicidade até
certo ponto. Estudo conduzido pelo psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de
Economia, mostra que, a partir de US$ 6.250 (R$ 12.740), o que você ganha a
mais não determina que será mais feliz.
Pesquisa
do Datafolha mostra que três em cada quatro brasileiros se sentem felizes no
trabalho. Mas você cita um estudo que aponta os executivos brasileiros entre os
mais insatisfeitos do mundo com o equilíbrio dado a trabalho e vida pessoal. O que
explica isso?
São
dois universos diferentes. A pesquisa do Datafolha é bem abrangente e traz
resultados positivos. A outra é feita só com executivos que reclamam que não
têm tempo para a vida pessoal.
Acredito
que o resultado é fruto de sermos um país emergente. O Brasil aceita jornadas
de trabalho que, na Europa, seriam consideradas obscenas. Nos EUA, só banco de
investimentos tolera jornadas de 10, 12 horas, que aqui são coisa rotineira.
China e Índia deveriam relatar índices iguais ou piores de descontentamento
pelo excesso de horas trabalhadas, já que também são economias emergentes?
Não.
É aí que entra a cultura. Os chineses são coletivistas. Não têm problema em
fazer um sacrifício pelo país ou pela empresa. Aqui, executivos fazem
sacrifício para sustentar um modo de vida caro. Mas reclamam que têm um preço a
pagar por isso.
Como
se pode medir a felicidade dentro das empresas?
Além
de rankings consagrados como o internacional Great Place to Work (Melhores
Empresas para Trabalhar), aplicado no Brasil, empresas vêm tentando criar seus
próprios índices. A Natura tentou implementar o FIB, Felicidade Interna Bruta,
índice criado no Butão como contraponto ao PIB e que a ONU apoia como indicador
do bem-estar social nos países.
O
questionário é complexo, e a implementação esbarrou em problemas técnicos com o
instituto que difunde o FIB no Brasil. Já a Serasa criou seu próprio índice,
mais simples, e mede a felicidade interna a cada trimestre.
A
preocupação com a felicidade interna nas empresas pode virar tendência?
Sim,
porque é um bom marketing e porque tem muita gente convencida de que empresas
com funcionários mais felizes conseguem resultados melhores. Isso se chama
gerenciar felicidade.
David
e Wendy Ulrich, autores do livro "The Why of Work" (O Porquê do
Trabalho), compararam as cem melhores empresas no Great Place to Work americano
e calcularam que o retorno médio anual daquelas com ações negociadas na Bolsa
de Nova York, entre 1998 e 2008, foi de 6,8%. No mesmo período, o retorno anual
médio das 500 companhias mais negociadas na bolsa ficou em 1,04%.
Por
que, segundo o livro, a qualidade do ambiente de trabalho é o aspecto mais
negligenciado do debate sobre sustentabilidade?
Desde
do filme "Uma Verdade Inconveniente", de Al Gore, a sustentabilidade
está na pauta não só dos ambientalistas, mas de todo o mundo, principalmente do
empresarial. Existe uma preocupação sobre como os animais são criados nas
fazendas industriais, enquanto os funcionários de telemarketing estão
trabalhando em espaços minúsculos, confinados, com hora para ir ao banheiro.
É
uma verdade inconveniente a entrar na agenda. Mas não é um assunto tão charmoso
quanto o verde, o meio ambiente.
Você
cita a recente oportunidade de escolher como empregador uma empresa "com
uma causa" ou "com bandeiras", mas falta espaço. Não tem vaga
para todo mundo no Google ou no Facebook, para citar algumas das prestigiadas
pelos jovens.
Não
é só questão de não ter espaço. Mas pesquisas mostram que grande parte dos
jovens brasileiros ainda coloca, como primeiras opções de emprego, Petrobras e
Banco do Brasil. Ou seja, ainda há uma grande demanda por estabilidade, e não
por propósito. Mas, nesse caso, cada vez mais o "efeito demonstração"
é importante. Quanto melhor o ambiente de trabalho, mais cobiçada a empresa é e
menos ela precisa pagar, na média, na hora de recrutar.
Como
as escolas de samba podem se tornar um "case" empresarial a se
exportar?
Nossa
cultura empresarial é muito importada. Mas há uma corrente que defende
abrasileirar as nossas empresas em vez de europeizar nossos trabalhadores. A
escola de samba é um tipo de organização hierárquica. Cada ala tem seu chefe, é
quase como uma empresa. Há certa tensão, mas as pessoas basicamente se
divertem.
E
ainda tem gente que paga por isso. A cultura brasileira tem um
"know-how" de organizar bagunças que talvez possa ser exportado e que
certamente pode ser utilizado por aqui.
E
quando empresas põem a felicidade como parte de uma cartilha?
Nos
EUA, é comum ter empresas em que é regra receber as pessoas com um sorriso, que
eu chamo de "sorriso americano", "fake", forçado. Quando a
Blockbuster chegou ao Brasil, eles te cumprimentavam desse jeito, seguindo a
cartilha. Mas aqui não dá certo. Adotar a bandeira da felicidade desse jeito é
uma coisa idiota, uma macaquice.
Qual
é seu "case" preferido entre as empresas brasileiras?
Uma
das melhores histórias é a da Serasa, que adotou a bandeira da felicidade, mas,
para o público em geral, está sempre ligada a "nome sujo na praça".
Tudo
começou quando o ex-presidente pediu uma pesquisa interna sobre trabalho
voluntário. Descobriu que pouca gente fazia e muita gente queria fazer. Criou
"pools" de voluntários para adotar instituições. Depois, começou a
oferecer cursos, de circo, de música. Tem um diretor sisudo, sério, que virou o
palhaço Adamastor.
A
empresa foi incorporada por um grupo internacional, mas não acabou com essas
práticas.
Você
discute exemplos bem distintos, do Pão de Açúcar aos Doutores da Alegria. O que
Abilio Diniz e o palhaço Wellington Nogueira têm em comum?
É
difícil responder. O Abilio (presidente do conselho de administração do Grupo
Pão de Açúcar) é assumidamente um convertido à causa da felicidade. Quem
conviveu com ele diz que era um cara muito duro, ríspido, quase violento com as
pessoas no trabalho.
Ele
diz que, a partir da virada para os 1990, quando foi sequestrado e o Pão de
Açúcar quase quebrou por problemas de gestão e depois pelo confisco do plano
Collor, ele fez terapia e começou a se preocupar mais com as pessoas. Hoje, é
um divulgador da ideia de felicidade.
Wellington,
fundador dos Doutores, leva a alegria aos outros e gerencia profissionais do
riso, mas tem um discurso menos propagandístico da felicidade dentro da
organização do que o Abílio. Talvez por não ser um convertido, por ter
descoberto cedo essa causa.
O
Brasil aceita jornadas de trabalho que na Europa seriam obscenas. Nos EUA, só
banco de investimentos tolera jornadas de 10, 12 horas, que aqui são coisa
rotineira
Existe
preocupação sobre como animais são criados nas fazendas industriais, enquanto
funcionários de telemarketing trabalham confinados em espaços minúsculos
A
escola de samba é um tipo de organização hierárquica. Cada ala tem seu chefe,
quase como uma empresa. Há certa tensão, mas as pessoas basicamente se divertem
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