domingo, 9 de setembro de 2012



Seu sorriso vale 1 milhão

Felicidade na empresa pode ser lucrativa

RESUMO

Tendência no mercado editorial e na cultura corporativa, a busca pela felicidade no trabalho é tema de livro-reportagem sobre empresas que buscam implantar programas de satisfação entre seus funcionários. Entre ideologias importadas, experiências originais e macaqueações, autor esquadrinha onda no Brasil.

ADRIANA KÜCHLER

No extEnso arco que vai de Sêneca a Gabriel Chalita, de 2010 para cá enfileiraram-se nas prateleiras das livrarias brasileiras mais de 350 livros com "felicidade" ou seus derivados no título. Nada mais sintomático: assim como a profusão de obras sobre dietas indica uma sociedade obesa, a obsessão pessoal e corporativa pela felicidade é sinal do descontentamento generalizado.

Foi "inspirado pela falta de felicidade" que o jornalista Alexandre Teixeira, 41, decidiu investigar a felicidade no trabalho. Depois de anos entrevistando executivos para uma revista de negócios, percebeu que o "brilho nos olhos" vendido por muitos deles escondia uma "crise de felicidade".

O resultado está em *"Felicidade S.A.- Por Que a Satisfação com o Trabalho É a Utopia Possível para o Século 21" [Arquipélago, 288 págs., R$ 45]*, que chega às livrarias nesta semana.

Mesclando economia, psicologia e filosofia, Teixeira repassa diversas teorias badaladas sobre o tema, de autores como o filósofo suíço Alain de Botton, o economista brasileiro Eduardo Giannetti e o psicólogo e Prêmio Nobel americano Daniel Kahneman.

Ele discute questões como a baixa correlação entre salário e felicidade e especula sobre a possibilidade de o dinheiro estar perdendo importância, em benefício de conceitos mais complexos (e muitas vezes vagos) como tempo, propósito e significado.

Estudos citados no livro mostram que "gerenciar a felicidade" pode ser lucrativo. Pesquisa do instituto Gallup estima que o custo do desengajamento nos EUA seja de US$ 300 bilhões anuais em perda de produtividade.

"É uma reportagem sobre o mundo do trabalho, que pretende estimular a reflexão", diz. "Não espero que ninguém largue o emprego depois de ler o livro. Só acho que as pessoas pensam pouco sobre por que fazem o que fazem."

Para ele, as empresas se preocupam muito com o meio ambiente e pouco com o clima dentro delas mesmas, "e este talvez seja o aspecto mais ignorado de todo o atual debate sobre sustentabilidade".

Ele afasta, no entanto, fórmulas mágicas para atingir a felicidade: "De guru, só tenho a careca", diz.

Folha - Uma das teses de "Felicidade S.A." é que dinheiro e sucesso vêm perdendo terreno no mundo do trabalho para a busca de um propósito no que se faz. A teoria se aplica ao Brasil e seu crescente mercado consumidor?

Alexandre Teixeira - Colocar na balança o peso que se dá para dinheiro e qualidade de vida é uma tendência no mundo empresarial e entre os que podem fazer essa opção. É um grupo pequeno, que na tecnologia é chamado de "early adopters" (pioneiros no uso de uma novidade). Nos EUA, esse universo é maior, mas no Brasil ainda é relativamente pequeno.

Somos emergentes e é improvável que a nova classe média esteja mais preocupada com propósito do que com dinheiro. Mas já se sabe que dinheiro traz felicidade até certo ponto. Estudo conduzido pelo psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, mostra que, a partir de US$ 6.250 (R$ 12.740), o que você ganha a mais não determina que será mais feliz.

Pesquisa do Datafolha mostra que três em cada quatro brasileiros se sentem felizes no trabalho. Mas você cita um estudo que aponta os executivos brasileiros entre os mais insatisfeitos do mundo com o equilíbrio dado a trabalho e vida pessoal. O que explica isso?

São dois universos diferentes. A pesquisa do Datafolha é bem abrangente e traz resultados positivos. A outra é feita só com executivos que reclamam que não têm tempo para a vida pessoal.

Acredito que o resultado é fruto de sermos um país emergente. O Brasil aceita jornadas de trabalho que, na Europa, seriam consideradas obscenas. Nos EUA, só banco de investimentos tolera jornadas de 10, 12 horas, que aqui são coisa rotineira. China e Índia deveriam relatar índices iguais ou piores de descontentamento pelo excesso de horas trabalhadas, já que também são economias emergentes?

Não. É aí que entra a cultura. Os chineses são coletivistas. Não têm problema em fazer um sacrifício pelo país ou pela empresa. Aqui, executivos fazem sacrifício para sustentar um modo de vida caro. Mas reclamam que têm um preço a pagar por isso.

Como se pode medir a felicidade dentro das empresas?

Além de rankings consagrados como o internacional Great Place to Work (Melhores Empresas para Trabalhar), aplicado no Brasil, empresas vêm tentando criar seus próprios índices. A Natura tentou implementar o FIB, Felicidade Interna Bruta, índice criado no Butão como contraponto ao PIB e que a ONU apoia como indicador do bem-estar social nos países.

O questionário é complexo, e a implementação esbarrou em problemas técnicos com o instituto que difunde o FIB no Brasil. Já a Serasa criou seu próprio índice, mais simples, e mede a felicidade interna a cada trimestre.

A preocupação com a felicidade interna nas empresas pode virar tendência?

Sim, porque é um bom marketing e porque tem muita gente convencida de que empresas com funcionários mais felizes conseguem resultados melhores. Isso se chama gerenciar felicidade.

David e Wendy Ulrich, autores do livro "The Why of Work" (O Porquê do Trabalho), compararam as cem melhores empresas no Great Place to Work americano e calcularam que o retorno médio anual daquelas com ações negociadas na Bolsa de Nova York, entre 1998 e 2008, foi de 6,8%. No mesmo período, o retorno anual médio das 500 companhias mais negociadas na bolsa ficou em 1,04%.

Por que, segundo o livro, a qualidade do ambiente de trabalho é o aspecto mais negligenciado do debate sobre sustentabilidade?

Desde do filme "Uma Verdade Inconveniente", de Al Gore, a sustentabilidade está na pauta não só dos ambientalistas, mas de todo o mundo, principalmente do empresarial. Existe uma preocupação sobre como os animais são criados nas fazendas industriais, enquanto os funcionários de telemarketing estão trabalhando em espaços minúsculos, confinados, com hora para ir ao banheiro.

É uma verdade inconveniente a entrar na agenda. Mas não é um assunto tão charmoso quanto o verde, o meio ambiente.

Você cita a recente oportunidade de escolher como empregador uma empresa "com uma causa" ou "com bandeiras", mas falta espaço. Não tem vaga para todo mundo no Google ou no Facebook, para citar algumas das prestigiadas pelos jovens.

Não é só questão de não ter espaço. Mas pesquisas mostram que grande parte dos jovens brasileiros ainda coloca, como primeiras opções de emprego, Petrobras e Banco do Brasil. Ou seja, ainda há uma grande demanda por estabilidade, e não por propósito. Mas, nesse caso, cada vez mais o "efeito demonstração" é importante. Quanto melhor o ambiente de trabalho, mais cobiçada a empresa é e menos ela precisa pagar, na média, na hora de recrutar.

Como as escolas de samba podem se tornar um "case" empresarial a se exportar?

Nossa cultura empresarial é muito importada. Mas há uma corrente que defende abrasileirar as nossas empresas em vez de europeizar nossos trabalhadores. A escola de samba é um tipo de organização hierárquica. Cada ala tem seu chefe, é quase como uma empresa. Há certa tensão, mas as pessoas basicamente se divertem.

E ainda tem gente que paga por isso. A cultura brasileira tem um "know-how" de organizar bagunças que talvez possa ser exportado e que certamente pode ser utilizado por aqui.

E quando empresas põem a felicidade como parte de uma cartilha?

Nos EUA, é comum ter empresas em que é regra receber as pessoas com um sorriso, que eu chamo de "sorriso americano", "fake", forçado. Quando a Blockbuster chegou ao Brasil, eles te cumprimentavam desse jeito, seguindo a cartilha. Mas aqui não dá certo. Adotar a bandeira da felicidade desse jeito é uma coisa idiota, uma macaquice.

Qual é seu "case" preferido entre as empresas brasileiras?

Uma das melhores histórias é a da Serasa, que adotou a bandeira da felicidade, mas, para o público em geral, está sempre ligada a "nome sujo na praça".

Tudo começou quando o ex-presidente pediu uma pesquisa interna sobre trabalho voluntário. Descobriu que pouca gente fazia e muita gente queria fazer. Criou "pools" de voluntários para adotar instituições. Depois, começou a oferecer cursos, de circo, de música. Tem um diretor sisudo, sério, que virou o palhaço Adamastor.

A empresa foi incorporada por um grupo internacional, mas não acabou com essas práticas.

Você discute exemplos bem distintos, do Pão de Açúcar aos Doutores da Alegria. O que Abilio Diniz e o palhaço Wellington Nogueira têm em comum?

É difícil responder. O Abilio (presidente do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar) é assumidamente um convertido à causa da felicidade. Quem conviveu com ele diz que era um cara muito duro, ríspido, quase violento com as pessoas no trabalho.

Ele diz que, a partir da virada para os 1990, quando foi sequestrado e o Pão de Açúcar quase quebrou por problemas de gestão e depois pelo confisco do plano Collor, ele fez terapia e começou a se preocupar mais com as pessoas. Hoje, é um divulgador da ideia de felicidade.

Wellington, fundador dos Doutores, leva a alegria aos outros e gerencia profissionais do riso, mas tem um discurso menos propagandístico da felicidade dentro da organização do que o Abílio. Talvez por não ser um convertido, por ter descoberto cedo essa causa.

O Brasil aceita jornadas de trabalho que na Europa seriam obscenas. Nos EUA, só banco de investimentos tolera jornadas de 10, 12 horas, que aqui são coisa rotineira

Existe preocupação sobre como animais são criados nas fazendas industriais, enquanto funcionários de telemarketing trabalham confinados em espaços minúsculos

A escola de samba é um tipo de organização hierárquica. Cada ala tem seu chefe, quase como uma empresa. Há certa tensão, mas as pessoas basicamente se divertem

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