Comida de verdade, comida da vovó e altas
químicas
Esse negócio de cozinhar e comer
está mais complicado do que receita de gastronomia molecular e mais enrolado
que namoro de cobra. Comer e dormir são, pela ordem, a segunda e a terceira
coisas mais importantes.
A primeira coisa e dormir também
estão meio complicados, mas esse texto é sobre comida. Desde o tempo do javali
com sal grosso e batata assados nas cavernas até as espumas de tomate e as
“desconstruções” de tudo o que é tipo de alimento, muitas palavras, receitas e
histórias vêm rolando. Uma das últimas modas é a tal finger food, em inglês,
petite bouche, em francês, ou punta de dita, em italiano.
A ideia é comer a miniporção com
as mãos, sem talheres, com apenas uma mordida, e a moda vem na esteira da
gastronomia molecular, aquela em que a cozinha parece o laboratório do
Einstein. A comida que pode ter vários sabores, texturas e contrastes: doce-salgado,
crocante e pastoso, defumado e cru e tal. Vem numa colherinha, numa torradinha,
sobre uma folha de alface, por aí.
Acho que o nome, em português,
até poderia ser “provinha”, em vez de boca pequena, ponta de dedo ou comida de
dedo. Escolhe aí, leitor, tua tradução. Num livro sobre dietas que li há pouco,
o autor, jornalista, disse que não devemos comer nada que nossa avó não
chamasse de comida, que é melhor não comer pratos com mais de quatro ou cinco
ingredientes ou comidas que entram pela janela do carro.
Nada contra a evolução da
gastronomia, dos vinhos e das histórias que envolvem comidas e bebidas, mas às
vezes o negócio anda exagerado mesmo, com tantas técnicas, alquimias, montes de
temperos misturados, sorvete com orégano e pimenta, ovo desconstruído com carne
de galinha em forma de farinha, redução de vinagre balsâmico já reduzido e
hambúrguer de carne de siri em pó.
Quem tem grana paga centenas de
dólares aqui ou no exterior para comer umas novidades nem tão novas, em
ambientes até franciscanos. A fome é o melhor tempero, e os chefes sabidos dão
uma demorada charmosa para a galera ir tomando uns vinhos caros e depois
degustar melhor o que vier das panelas, das grelhas e dos fornos. Aqui em Porto
Alegre, já tivemos placas com os dizeres: visite nossa cozinha. A receita não
pegou.
Ao fim dos lautos repastos, das
miniporções, das comilanças, das bebidas harmonizadas, das contas taquicárdicas
e, ao cabo das facas, é bom lembrar que os muitos cozinheiros, depois de muita
elaboração, gostam de arroz com feijão, bife na chapa com um pouco de alho e
cebola, galinha assada e pão com ovo. Ovo não desconstruído. Ovo-ovo. Bom
apetite, viva a comida de verdade e os precinhos honestos.
(Jaime
Cimenti)
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