sexta-feira, 7 de setembro de 2012



Comida de verdade, comida da vovó e altas químicas

Esse negócio de cozinhar e comer está mais complicado do que receita de gastronomia molecular e mais enrolado que namoro de cobra. Comer e dormir são, pela ordem, a segunda e a terceira coisas mais importantes.

A primeira coisa e dormir também estão meio complicados, mas esse texto é sobre comida. Desde o tempo do javali com sal grosso e batata assados nas cavernas até as espumas de tomate e as “desconstruções” de tudo o que é tipo de alimento, muitas palavras, receitas e histórias vêm rolando. Uma das últimas modas é a tal finger food, em inglês, petite bouche, em francês, ou punta de dita, em italiano.

A ideia é comer a miniporção com as mãos, sem talheres, com apenas uma mordida, e a moda vem na esteira da gastronomia molecular, aquela em que a cozinha parece o laboratório do Einstein. A comida que pode ter vários sabores, texturas e contrastes: doce-salgado, crocante e pastoso, defumado e cru e tal. Vem numa colherinha, numa torradinha, sobre uma folha de alface, por aí.

Acho que o nome, em português, até poderia ser “provinha”, em vez de boca pequena, ponta de dedo ou comida de dedo. Escolhe aí, leitor, tua tradução. Num livro sobre dietas que li há pouco, o autor, jornalista, disse que não devemos comer nada que nossa avó não chamasse de comida, que é melhor não comer pratos com mais de quatro ou cinco ingredientes ou comidas que entram pela janela do carro.

Nada contra a evolução da gastronomia, dos vinhos e das histórias que envolvem comidas e bebidas, mas às vezes o negócio anda exagerado mesmo, com tantas técnicas, alquimias, montes de temperos misturados, sorvete com orégano e pimenta, ovo desconstruído com carne de galinha em forma de farinha, redução de vinagre balsâmico já reduzido e hambúrguer de carne de siri em pó.

Quem tem grana paga centenas de dólares aqui ou no exterior para comer umas novidades nem tão novas, em ambientes até franciscanos. A fome é o melhor tempero, e os chefes sabidos dão uma demorada charmosa para a galera ir tomando uns vinhos caros e depois degustar melhor o que vier das panelas, das grelhas e dos fornos. Aqui em Porto Alegre, já tivemos placas com os dizeres: visite nossa cozinha. A receita não pegou.

Ao fim dos lautos repastos, das miniporções, das comilanças, das bebidas harmonizadas, das contas taquicárdicas e, ao cabo das facas, é bom lembrar que os muitos cozinheiros, depois de muita elaboração, gostam de arroz com feijão, bife na chapa com um pouco de alho e cebola, galinha assada e pão com ovo. Ovo não desconstruído. Ovo-ovo. Bom apetite, viva a comida de verdade e os precinhos honestos.

(Jaime Cimenti)

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