09
de setembro de 2012 | N° 17187
MARTHA
MEDEIROS
Seu apartamento é
feliz
Dia
desses, fui acompanhar uma amiga que estava procurando um apartamento para
comprar. Ela selecionou cinco imóveis para visitar, todos ainda ocupados por
seus donos, e pediu que eu fosse com ela dar uma olhada. Minha amiga, claro,
estava interessada em avaliar o tamanho das peças, o estado de conservação do
prédio, a orientação solar, a vizinhança. Já eu, que estava ali de graça,
fiquei observando o jeito que as pessoas moram.
Li
em algum lugar que só há uma regra de decoração que merece ser obedecida: para
onde quer que se olhe, deve haver algo que nos faça feliz. O referido é verdade
e dou fé.
Não
existe um único objeto na minha casa que não me faça feliz, pelas mais variadas
razões: ou porque esse objeto me lembra de uma viagem, ou porque foi um
presente de uma pessoa bacana, ou porque está comigo desde muitos endereços
atrás, ou porque me faz reviver o momento em que o comprei, ou simplesmente
porque é algo divertido e descompromissado, sem qualquer função prática a não
ser agradar aos olhos.
Essa
regra não tem nada a ver com elitismo. Pessoas riquíssimas, aristocráticos e
maçantes com suas torneiras de ouro, quadros soturnos que valem fortunas e
enfeites arrematados em leilões. São locais classudos, sem dúvida, e que devem
fazer seus monarcas felizes, mas eu não conseguiria morar num lugar em que não
me sentisse à vontade para colocar os pés em cima da mesinha de centro.
A
beleza de uma sala, de um quarto ou de uma cozinha não está no valor gasto para
decorá-los, e sim na intenção do proprietário em dar a esses ambientes uma cara
que traduza o espírito de quem ali vive. E é isso que me espantou nas várias
visitas que fizemos: a total falta de espírito festivo daqueles moradores.
Gente que se conforma em ter um sofá, duas poltronas, uma tevê e um arranjo
medonho em cima da mesa, e não se fala mais nisso.
Onde
é que estão os objetos que os fazem felizes? Sei que a felicidade não exige
isso, mas pra que ser tão franciscano? Em estímulo visual torna o ambiente mais
vivo e aconchegante, e isso pode existir em cabanas no meio do mato e em
casinhas de pescadores que, aliás, transpiram mais felicidade do que muito apê
cinco estrelas. Mas grande parte das pessoas não está interessada em se
informar e em investir na beleza das coisas simples.
E
quando tentam, erram feio, reproduzindo em suas casas aquele estilo showroom de
megaloja que só vende móveis laqueados e forrados com produtos sintéticos, tudo
metido a chique, o suprassumo da falta de gosto. Onde o toque da natureza?
Madeira, plantas, flores, tecidos crus e, principalmente, onde o bom humor? Como
ser feliz numa casa que se leva a sério?
Não
me recrimine, estou apenas passando adiante o que li: pra onde quer que se
olhe, é preciso alguma coisa que nos deixe feliz. Se você está na sua casa
agora, consegue ter seu prazer despertado pelo que lhe cerca? Ou sua casa é um
cativeiro com o conforto necessário e fim?
Minha
amiga ainda não encontrou seu novo lar, mas segue procurando, só que agora está
visitando, de preferência, imóveis já desabitados, vazios, onde ela possa
avaliar não só o tamanho das peças, a orientação solar, o estado geral de
conservação, mas também o potencial de alegria que ela pretende explorar.
Martha
Medeiros está de férias e volta na edição do dia 23 de setembro. Esta crônica
foi originalmente publicada em 24 de janeiro de 2010 e faz parte do livro Feliz
por Nada.
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