05 de setembro de 2012 |
N° 17183
CINTIA MOSCOVICH
O “de dentro” e tudo o que a gente pode
fazer
Meus pais tinham lá suas ideias
relativas à educação dos filhos. Nós podíamos comprar todos os discos e livros
que nos dessem na telha – mas só discos e livros, porque dinheiro não era capim
para gastar com coisas que não fossem “boas”.
Para meus pais, descendentes de
imigrantes judeus fugidos de perseguições lá nos fundos da Europa, as “coisas
boas” eram aquelas capazes de forrar o que o pai chamava de “de dentro” – o
salvo-conduto interno para a liberdade e para o trabalho, caso tivéssemos, de
novo, que mudar de país.
O “de dentro” do pai era o mesmo
que todos os pais desejam: informação, conhecimento, senso de justiça, piedade
e alegria. Com livros, discos, jornais e uma boa escola, nos restava buscar as
virtudes do espírito no meio de uma infância que se passava na rua, com jogo de
bolita, patinete, caçador e matinê no Rio Branco.
Não quero dizer com isso que no
meu tempo era melhor ou que meus pais soubessem mais do que os pais de hoje. O
fato é que em alguma medida deu certo, e não me lembro de ter uma situação tão
desesperadora no nível do ensino quanto a de hoje. E era tão simples: os pais
davam exemplo e atenção, tínhamos professores preparados, a liberdade era
limitada pelo respeito ao próximo. Nós só não éramos autorizados à ignorância.
Como as crianças não brincam mais
na rua e são mantidas em lugares cercados, me caiu o queixo quando vi que a
treinadora de um clube da cidade decretou que suas atletas de ginástica iriam
reservar, uma vez por mês, uma hora para a leitura antes dos treinos.
Fiquei me perguntando quanto
tempo elas dedicam para o treino de ginástica e comentei o fato com amigos.
Todos foram queridos: que a intenção da treinadora é a melhor possível, que as
meninas lerão em casa e que isso é o máximo que se pode fazer. Teve gente que
achou até justo, porque não se anima a fazer nem uma hora de exercício por mês.
O que me chamou a atenção é a
desproporção da coisa – eu queria mais é que, num treino regular de, digamos,
duas horas de leitura, a professora incentivasse os alunos a fazer 30 minutos
de exercícios. Ou que, vá lá, se fizesse tanto exercício quanto se lesse. Ou
qualquer coisa assim, que não separasse tanto o “de dentro” e o “de fora” e que
o ato de ler não fosse uma caridosa exceção mensal.
Acho que numa hora em que estamos
pensando onde foi que a gente errou, lembrar desse apagadinho amor que a gente
tinha pela formação intelectual pode ser bom. Para melhorar a escola, nem
precisamos de contorcionismo e elasticidade, muito menos de espetáculo e
pirueta. A gente precisa só de pais presentes, professores preparados e
valores, éticos e estéticos, nos seus devidos lugares. Com o “de dentro” a
gente pode começar vida nova – inclusive no mesmo lugar. Quem sabe a gente
tenta?
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