02
de setembro de 2012 | N° 17180
MARTHA
MEDEIROS
Vida parte 2
Uma menina me perguntou certa vez: a vida da gente
melhora da metade para o final? Ela deveria ter uns 14 anos, jovem demais para
dividir a existência em duas partes e colocar suas esperanças na segunda. Já eu
havia recém feito 40: estava me despedindo do ensaio geral e estreando na Parte
2, ainda sem saber o que estava por vir. Logo, o que responder?
Admiti
que considerava encantadora a primeira parte: a virgindade existencial, os
primeiros amores, a juventude do corpo, os sonhos projetados para frente, a
morte a uma distância teoricamente segura. Não tinha como afirmar se a segunda
parte possuiria munição suficiente para superar tanta vitalidade e expectativa,
mas, dali onde eu me encontrava, seguia confiante, o futuro não me assustava.
Apesar de ter vivido muito bem os primeiros 40, secretamente desejava que a
resposta ao questionamento dela fosse um categórico sim.
Hoje
aquela menina deve estar em torno dos 24 e ainda não tem sua resposta, mas
garanto que anda tão ocupada que isso deixou de importar. Eu, no entanto,
avancei um pouquinho na parte 2, porém continuo sem um parecer. Tenho apenas
uma intuição.
Menina
que não sei o nome: decretar o que é melhor, se a primeira ou a segunda metade
da vida, é uma preocupação inútil – não perca tempo com isso. A única coisa que
você deve ter em mente é o seguinte: o que fizer na primeira metade terá
conseqüências na segunda, para o bem ou para o mal.
Se
você for muito seletiva e insegura, acabará transferindo para mais tarde
projetos que já poderiam ter sido experimentados. Procure viver as delícias de
cada idade, arrisque-se. Se não conseguir, ok: então morra de amor, vá morar
sozinha em Londres, entre para uma seita, monte uma banda, tudo isso aos 60,
aos 70, e danem-se as convenções.
A
maturidade traz ganhos reais. A ansiedade diminui, a teatralidade também: já
não vemos sentido em agradar a todos, a opinião alheia deixa de nos
influenciar. Essa liberdade de ser quem realmente somos me parece o benefício
maior – os jovens não percebem, mas sua liberdade é muito restrita. São
pressionados a fazer escolhas tidas como definitivas (casamento, filhos,
profissão) e as dúvidas se amontoam.
A
sociedade exige eficiência na condução desse script. Depois dos 40, a boa
notícia: que sociedade, que nada. Não é ela que banca suas ideias, não é ela
que enxuga suas lágrimas, não é ela que conhece suas carências. Você passa,
finalmente, a ser dona do seu desejo. Não é pouca coisa.
A
segunda metade trará vista cansada, um joelho menos confiável, um rosto não tão
viçoso, umas manias bobas, mas o fato de já não haver tempo a desperdiçar nos
torna mais focados e até mais aventureiros – pensar demais deixa de ser
producente.
Perder
a ilusão da eternidade traz, sim, conquistas instantâneas, mas, para isso, é
preciso ter cabeça boa, conhecimento e uma forte base moral e ética. E isso
você adquire na primeira metade da vida – ou padecerá na última.
Nenhum comentário:
Postar um comentário