sábado, 1 de setembro de 2012



01 de setembro de 2012 | N° 17179O PRAZER DAS PALAVRAS |
CLÁUDIO MORENO

Se sim

Um leitor que mantém na internet um serviço de relacionamento entre solteiros de vida alegre vem pedir que eu o ajude a polir uma frase que aparece bem na entrada de seu saite (os portugueses, mais elegantes, chamariam de sítio): “Você faz parte deste grupo? Se sim, digite o seu número de inscrição; se não, preencha o formulário de registro”.

Ele próprio é o autor da frase, mas, como honestamente me informa, ela tem arranhado seu ouvido desde o dia em que a concebeu. “Professor, tem alguma coisa aí que não me cai muito bem. Usar as expressões se sim ou se não como resposta a uma pergunta não é considerado mau Português? Por exemplo: ‘Você vai sair hoje? Se sim, não esqueça o guarda-chuva’. Não sei justificar, mas a expressão soa esquisito, e as alternativas que me ocorrem – “em caso afirmativo”, “em caso negativo”, etc. – parecem um pouco pernósticas para um saite descontraído como o meu”.

Ora, ora, quem diria! Um internauta preocupado com sutilezas da linguagem! É ave rara? Claro que não; conheço centenas deles. Aqueles profetas do apocalipse que vivem dizendo que a internet será o túmulo da boa linguagem esquecem que a rede - assim como o tinteiro, a pena de ganso ou a máquina de escrever - é apenas um meio de trocar e estocar informações, e que as pessoas articuladas vão sempre escrever melhor que as outras, mesmo que utilizem sinais de fumaça.

Como podes ver, meu amigo, “mau Português” nunca poderá ser, já que Machado, Camilo, Miguel Torga e Saramago, entre outros, usaram e usam o se sim (o se não dispensa maiores cuidados, de tão corriqueiro que é). Dois excelentes exemplos nos vêm de Machado (em Dom Casmurro e em Memorial de Aires, respectivamente): “Não sei se alguma vez tiveste dezessete anos. Se sim, deves saber que é a idade em que a metade do homem e a metade do menino formam um só curioso”;

“A ideia é saber se Fidélia terá voltado ao cemitério depois de casada. Possivelmente, sim; possivelmente não. Não a censurarei, se não: a alma de uma pessoa pode ser estreita para duas afeições grandes. Se sim, não lhe ficarei querendo mal, ao contrário”.

Não se costuma condenar uma construção aprovada por autores da primeira água. Agora, usá-la, isso quem vai decidir és tu, porque ninguém é obrigado a seguir o gosto deste ou daquele escritor. Sempre existem outras formas também corretas de dizer a mesma coisa – basta queimar um pouquinho as pestanas. No exemplo apresentado – “Você faz parte deste grupo?

Se sim, digite o seu número de inscrição” –, aquele “se sim”, que te soa tão mal (mas que a mim não desagrada), pode ser trocado por “se fizer, digite...”, “caso faça, digite...”, “se a resposta for sim, digite...”, “em caso afirmativo, digite...”, e mais outras, certamente, que não me ocorrem no momento. Não te esqueças: o idioma nos oferece centenas de recursos possíveis, e entre eles vamos escolhendo aqueles que mais nos agradam. A soma de nossas escolhas é, no fundo, aquilo que chamamos de “estilo”.

E já que estamos falando de escolhas, aproveito para dar uma satisfação aos leitores que estranharam uma construção que utilizei numa coluna da série Homens e Mulheres, publicada no Segundo Caderno há pouco mais de um mês.

Falando das Musas, escrevi que “as roupas diáfanas e esvoaçantes que usavam mal e mal ocultavam o seu corpo escultural”; três leitores, o que não é pouco, escreveram no dia seguinte para sugerir, cada um à sua maneira, que deveria teria havido aqui um erro de revisão da Zero Hora (forma diplomática de perguntar se eu não tinha cometido um erro de concordância): se tudo está no plural – as Musas e todo o resto -, a forma correta não deveria ser “as roupas diáfanas e esvoaçantes que usavam mal e mal ocultavam os seus corpos esculturais”?

Não, meus amigos, não deveria – poderia, mas não deveria. Em casos como este, embora também esteja correto o plural, o mais elegante, para mim, é usar o singular, como fazem dezenas de escritores que respeito e admiro. Em outras palavras, apesar de me referir a um conjunto de pessoas, posso deixar no singular esses vocábulos que se trazem implícita a ideia de “cada um com o seu”: “Os professores torceram o nariz diante da proposta” (os narizes?); “Ali eles perderam a vida” (as vidas?); “Dê o nome dos rios navegáveis da Amazônia” (os nomes?);

“Aqui vai a lista com o endereço dos participantes” (os endereços?); “Os alunos escreviam com a cabeça baixa” (as cabeças baixas?). Repito: o plural, aqui, embora correto, parece-me desajeitado e desnecessário, o que me levou a falar no “corpo escultural das Musas”. Eu estava apenas exercendo o direito de escolher, entre duas formas corretas, aquela que mais me agrada – o mesmo direito, aliás, exercido pelos três leitores que preferiram o plural.

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