Jaime
cimenti
Onde está o homem da Coca-Cola?
Você
sabe onde está o homem que tomava Coca-Cola, sozinho, nos bares do Moinhos do
Vento? Não tenho visto. Quando eu saía para caminhar, nos finais de tarde, ele,
que tinha se tornado um desconhecido íntimo para mim, estava sempre sentado em
algum dos bares do bairro, em frente a um copo e a uma garrafa de Coca-Cola. Ao
que percebi, só tomava refrigerante. Acho que não era cuba-libre ou outro
drinque qualquer. Lembro que ele não parecia ter pressa alguma de beber.
Aliás,
ele não bebia, bebericava, como, aliás, recomendam os manuais de etiqueta. Pessoas
distintas não bebem, bebericam, mesmo Coca, a bebida símbolo do agitado way of
life norte-americano. Falando nisso, o cidadão da Coca parecia uma figura do
legendário norte-americano Edward Hopper, o pintor da “solidão americana”, que
deixou muitas imagens onde estavam seres sozinhos, em hotéis, escritórios, calçadas,
bares e outros locais.
Nunca
abordei o desconhecido íntimo para alguma conversa e nunca o vi acompanhado de
algo ou alguém além da Coca-Cola. Ele tem aparência normal, cabelos grisalhos,
nem magro nem gordo, roupas comuns, estatura possivelmente mediana ou, talvez,
seja baixinho.
Sua
presença sempre aguçou minha curiosidade, mas preferi não ser invasivo e nem
mesmo fui perguntar aos garçons sobre quem era o objeto-sujeito de minha
observação. Preferi deixar seguir o mistério sobre aquele homem aparentemente
comum, que pousava olhares neutros sobre a paisagem, a Coca-Cola e as pessoas
do entorno.
Ele
parecia pedir que não interrompessem seu diálogo mudo com o refri e dizia com o
olhar que precisava de um tempo para
ficar pensando em alguns assuntos ou, quem sabe em nenhum, ficar pensando em
nada, consciência pura , quem sabe a verdadeira felicidade. Se encontrar
novamente o desconhecido íntimo talvez puxe conversa, tente ser seu amigo e
descubra o que há por trás daquele rosto, aparentemente impassível.
Se não
o reencontrar, fica o mistério, que talvez seja mistério nenhum ou apenas o
mistério de eu estar pensando nessas coisas comuns, sobre uma pessoa que não é comum.
Nenhum de nós é comum. “De perto ninguém é normal”, disse Caetano. Nem de
longe, talvez, digo eu, que gosto de assistir ao espetáculo infinito que os
seres humanos e inanimados proporcionam todos os dias para quem tem tempo e vontade
de ver.
O
homem da Coca-Cola é um dos nossos. Quem sabe é sozinho, mas não solitário. Quem
sabe seu olhar é de encontro e não de despedida. Quem sabe agora, em algum
lugar, ele toma cuba-libre ou só a coca
e sorri, mesmo só para o ar e para si mesmo.
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