RUTH
DE AQUINO
11/10/2013
20h27 - Atualizado em 11/10/2013 20h55
É proibido proibir
Quer
dizer então que só Caetano Veloso tem o direito de dizer o que quiser sem pedir
permissão?
"Eu
digo não ao não. Eu digo. É proibido proibir. É proibido proibir. É proibido
proibir. É proibido proibir.” As repetições não são minhas. São de Caetano
Veloso, em música-hino contra a censura e a ditadura, em 1968. Franzino e
rebelde, ele reagia às vaias no festival gritando: “Os jovens não entendem nada.
Querem matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem”.
Caetano
hoje é a favor – com Chico Buarque, Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Milton
Nascimento, Djavan e Roberto Carlos – de proibir biografias sem autorização prévia
dos biografados ou de seus herdeiros. Essa aliança entre a Tropicália e a Jovem
Guarda quer liberar só as biografias chapa-branca. Nossa “intelligentsia” musical
é formada por mitos enrugados e calejados por seus atos e desatinos. São músicos
brilhantes, mas péssimos legisladores.
Claro
que Caetano tem o direito de mudar de campo e querer proibir. A idade mudou e,
com ela, a cor dos cabelos. Aumentou o tamanho da sunga e a conta no banco. Anda
com lenço e documento. Pode mudar o pensamento. Por que não? Não seria o
primeiro. Quem não se lembra da admiração tardia de Gláuber Rocha por Golbery
do Couto e Silva? Depois do exílio, em 1974, antes de voltar ao Brasil, Gláuber
disse achar Golbery “um gênio”. Pagou por isso.
Caetano
só precisa sair do armário. Abraçado a Renan Calheiros e aos podres poderes do
reacionarismo – hoje travestidos, na América Latina, de defensores do povo. Na
Venezuela, na Argentina, no Equador, na Bolívia, o movimento é o mesmo de
nossos compositores no Olimpo. A liberdade de expressão é relativa e tem de ser
monitorada e pré-censurada.
Arauto
da vanguarda, Caetano tem o direito de reescrever sua história. Em vez de matar
o amanhã, o chefão da máfia do dendê quer matar o passado, quando for
clandestino e incômodo. Ele agora diz sim ao não. As lembranças privadas,
quando tornadas públicas, podem incomodar a sesta depois do vatapá.
O
grupo de músicos contra biografias não autorizadas foi intitulado “Procure
saber”. Deve ser uma licença poética da MPB, porque significa o oposto: “Procure
esconder”. Ou, quem sabe: “Procure aparecer”. Querem acossar nossa Constituição,
favorável à liberdade de expressão, com um artigo pernicioso do Código Civil. O
Artigo 20 estabelece que textos, palavras e livros poderão ser proibidos por
qualquer pessoa, “a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber,
se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem
a fins comerciais”.
Os
termos são tão subjetivos que poderiam ser usados para cortar e censurar
colunas e composições de nossos músicos combativos. Muita gente já sentiu sua
honra ferida pela verve da MPB e pelas polêmicas de Caetano na imprensa. Incomoda,
portanto, a contradição do libertário provocador. Só ele pode dizer o que pensa
sem pedir permissão?
Há outro
detalhe que explica a patrulha contra Caetano. Um detalhe moreno de 1,73 metro
de altura, coxas fortes e cabelos compridos. É sua ex, Paula Lavigne, que aos 13
anos começou a namorá-lo. Hoje produtora e empresária, Paula ocupa o cargo
pomposo de “presidente da diretoria do grupo Procure Saber”, que ela chama de “uma
plataforma profissional de atuação política em defesa dos interesses da classe”...
É a
mesma que arremessou um BMW blindado contra a garagem do flat onde se hospedava
Caetano logo após a separação. Barrada pelos seguranças, derrubou o portão de 270
quilos. Gaba-se de ter multiplicado a fortuna de Caetano. Passou depois a
produzir filmes, discos e shows. Presenteou os fãs com uma foto, em rede
social, de Caetano pelado. Nu frontal.
Paula
tenta ler reportagens antes da publicação, porque acha que pode. Age como
imperatriz louca da Tropicália. Sua resposta, no Twitter, a uma colunista da
Folha de S.Paulo, dizendo que “mulher encalhada é f...”, não faz jus a seu
cargo. “Tw ñ paga minhas contas”, tuitou Paula, isso é “muita baixaria” (!).
Ter
um porta-voz como ela é suicídio para qualquer causa. Feliz é Chico que se
casou com Marieta Severo, atriz com luz própria, discrição, inteligência. Quem
acredita no discurso de Paula, de que a preocupação dos músicos é com os lucros
do biógrafo e com o sensacionalismo? No Brasil, biógrafo nenhum fica rico com
os livros.
O
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que vetar a publicação de
biografias que não tenham autorização prévia é “censura” e, por isso, “inadmissível”
no estado de direito. Disse que qualquer eventual calúnia ou difamação deve ser
reparada pelo Judiciário. O músico Alceu Valença concorda: “Arrisco em dizer
que cercear autores seria uma equivocada tentativa de tapar, calar, esconder e
camuflar a história no nosso tempo e espaço”.
Em
seus artigos, Caetano costuma perguntar se nós, brasileiros, perdemos nossa
capacidade de indignação. Ele diz que detesta demagogia. Nós também. Detestamos
demagogia, caretice e obscurantismo. Apesar de vocês, amanhã há de ser outro
dia.
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