19
de outubro de 2013 | N° 17588
COBAIAS
EM DEBATE
Qual o limite da
ciência?
Ao
retirar mais de 200 cães de um laboratório de pesquisas científicas em SP, um
grupo de ativistas esquentou discussão sobre o uso de animais em testes
O
Brasil vivenciou na noite de quinta-feira uma versão não ficcional do filme Os
101 Dálmatas, clássico da Disney no qual cachorrinhos são salvos de serem
mortos para virar cosmético.
Só
que o resgate, ocorrido no interior de São Paulo, foi de outra raça de cães –
mais de 200 beagles – e os fins para os quais eles seriam usados são
pretensamente científicos, para testes de medicamentos. A libertação dos
cachorros, feita por ativistas ambientais e que resultou também na fuga de
coelhos e ratos, resultou em queixa de furto contra os ambientalistas. E em
intenso debate entre defensores de animais e pesquisadores, que acham
imprescindível o uso de testes em bichos, para o bem da ciência.
Uma
petição online contra o uso de animais em experimentos, lançada pelo site
Avaaz.org, coletou mais de 265 mil assinaturas até a tarde de ontem. Tudo
impulsionado pelo episódio da polêmica libertação dos cães, que aconteceu nos
laboratórios de pesquisas científicas do Instituto Royal, em São Roque (a 66
quilômetros de São Paulo).
A
empresa já era investigada pelo Ministério Público por suspeita de que os
animais eram acomodados em condições irregulares. No local são testadas nos
cachorros possíveis reações adversas aos medicamentos, como vômito, diarreia,
perda de coordenação e até convulsões. Entre os ativistas que participaram do
ato, organizado pela interner, está a atriz Nicole Puzzi, famosa por
pornochanchadas nos anos 70.
A
lei permite que se faça experimentos, desde que se prove que não há outros
meios para se chegar a um resultado científico. Os ambientalistas que soltaram
os beagles garantem que alguns cães tinham lesões nos olhos e nas patas, o que
leva à desconfiança de maus-tratos. O resgate canino gerou comoção, por vários
motivos. De um lado, porque os experimentos na Royal envolvem cães, os mais
populares animais de estimação, ao ponto de angariar o epíteto de “melhor amigo
do homem”. E logo cães de raça, os beagles, mundialmente conhecidos pelo
personagem de quadrinhos Snoopy.
–
Provoca uma compreensível reação emocional e, até por isso, a indústria tem
desenvolvido testes com modelos simulados, não vivos. Mas em alguns casos os
experimentos em animais são imprescindíveis. Para verificar se determinado
produto é teratogênico (que causa deformações) ou para testar drogas contra câncer
– exemplifica a veterinária Luiza Macedo Braga, professora da PUCRS e membro do
Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal.
O
pesquisador Álvaro Montenegro Valls, professor do Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Unisinos, não é tão conformado com a justificativa científica para
uso dos animais em testes. Ele diz que, no estágio atual da humanidade, existem
muitas alternativas. Entre elas, o uso de bonecos de anatomia e simulações de
computador.
–
Pingar produtos no olho para testar irritação e outras formas que envolvem
sofrimento são inadmissíveis – opina.
Os
animais resgatados do Instituto Royal por ativistas estavam sendo oferecidos
para adoção em sites na internet. Mas quem adotar poderá incorrer em crime de
receptação. Isso porque se trata de produto de furto, indicou o delegado
seccional de Sorocaba, Marcelo Carriel. A pena prevista vai de um a quatro anos
de prisão.
A
Polícia Civil de São Roque abriu inquérito para apurar a invasão e depredação
do instituto. O laudo da perícia feita no local deverá apontar a direção dos
indiciamentos. Imagens da invasão serão usadas para identificar os ativistas.
andre.mags@zerohora.com.br
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