26
de outubro de 2013 | N° 17595
CLÁUDIA
LAITANO
Sexo & mobilidade
Houve
um tempo em que os machos mais afortunados da nossa espécie orgulhavam-se do próprio
carro como o pavão alfa da sua cauda multicolorida. O que os fazia estufar o
peito convencidos do próprio esplendor era menos a potência motora do acessório
– no caso dos pavões, quase nenhuma – do que sua evidente vantagem competitiva
nos rituais de acasalamento.
(No
esforço para seduzir a fêmea, no entanto, era comum que alguns machos
exagerassem um pouco no colorido da penagem, já que um carro daqueles que
parecem iluminar a conta bancária do dono como um para-choque de néon tende a
despertar em algumas fêmeas a impressão de que o excesso de gorjeio pode querer
disfarçar a ausência de outros atributos menos monetizáveis. )
Carros
sempre sugeriram poder, força, capacidade de prover a prole – tudo aquilo que,
aparentemente, o DNA feminino leva em conta, desde o tempo das savanas, na hora
de selecionar um parceiro. Estacionado no local adequado ou encurtando distâncias,
o automóvel ultrapassa o caráter meramente simbólico oferecendo também as condições
práticas para o acasalamento: privacidade, algum conforto e trilha sonora para
completar.
Dos
EUA e do Japão, responsáveis pela exportação não apenas de carros, mas de todo
um estilo de vida baseado no automóvel, vêm duas notícias que apontam para o
primeiro solavanco sério na já centenária associação entre carros potentes e
sexo rápido (ou o contrário) – e dos dois como ideais de consumo indiscutíveis
da juventude desde a invenção da roda movida a combustão.
Nos
EUA, surge o fenômeno do jovem que não pretende ter um carro. Alguns dizem que
a Geração Y, atropelada pela crise, consegue comprar, no máximo, duas rodas – e
olhe lá.
Outros
acreditam que, mais do que razões econômicas, o que move os novos hábitos da
geração nascida a partir dos anos 80 é uma genuína mudança cultural, já que
hoje é possível fazer quase tudo, inclusive trabalhar e conhecer pessoas, sem
precisar sair de casa. E como essa geração parece encarar a tarefa de cuidar do
planeta com mais seriedade do que seus pais e avós, poluir o ar e entupir as
ruas com carros espaçosos e vazios estaria deixando de ser símbolo de status.
Do
Japão, veio a notícia mais surpreendente – e uma das mais comentadas na
Internet nos últimos dias. Uma reportagem publicada no último domingo no jornal
britânico The Guardian, intitulada “Por que os jovens japoneses não querem mais
saber de sexo?”, analisa a chamada “síndrome do celibato”.
Com
uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo, o Japão estaria enfrentando
uma tendência demográfica inesperada: homens e mulheres com menos de 40 anos,
por diferentes motivos, simplesmente estariam perdendo interesse em “relações
convencionais” e suas inevitáveis (e imprevisíveis) complicações.
Estaríamos
todos prestes a assistir a uma revolução sexual ao contrário? No Brasil, pelo
menos, isso soa tão pouco provável quanto o transporte público tornar-se
subitamente eficiente. De qualquer forma, a frase “não sei se caso ou compro
uma bicicleta” parece finalmente ter ganhado um sentido.
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