30 de outubro de 2013 |
N° 17599
LUCIANO ALABARSE
No embalo das polêmicas
Sou de um tempo em que homem era
homem, mulher era mulher, e gays eram gays. Nem todos foram felizes para
sempre, mas o mundo girava, nítido e funcional. Agora não. Artistas como
Perfume Genius e Conchita Wurst embaralham o ambíguo tabuleiro sexual contemporâneo,
misturando gêneros e disseminando confusões. Esqueça Boy George e Antony
Hegarty (se você nunca ouviu Antony Hegarty, não sabe o que está perdendo!).
A androginia desses dois cantores
parece coisa de um passado ultrapassado. Conchita Wurst, símbolo da nova onda,
nasceu homem, adotou esse nome estranho – referência aos órgãos sexuais
feminino e masculino, é uma linda mulher barbada, tem uma voz incrível e, soube
pelo jornal, faz questão de manter a barba rala, ser homem e mulher ao mesmo
tempo. “Nosso futuro é imprevisão”, como diria o Duca Leindecker.
Responderia com um singelo “eu” à
velha pergunta tropicalista “quem lê tanta notícia?”, pois ler jornais é um
vício do qual sou adicto. Acompanho polêmicas e críticas culturais, convicto de
que precisamos delas. Entre os ecos dos discursos destemperados de Frankfurt e
as controversas argumentações do Procure Saber, foi um comentário da Folha de
S. Paulo sobre Embalar, o último CD da Ná Ozzetti, o que me tirou do sério. Ná
nunca cantou tão bem, um repertório luxuoso, arranjos e ousadias vocais que,
para o crítico, resultaram em um trabalho racional e sem emoção. Jesus! O disco
me arrepiou do começo ao fim, e o cara dizendo que o disco era “frio”.
Vulcânico como os incendiários
trabalhos de Elis, sempre acusada de privilegiar a técnica em detrimento da
emoção, Embalar é um dos melhores discos do ano. Escrever críticas, sabemos, é
flertar com o fio da navalha. Há que conjugar análise técnica com capacidade de
verbalizar emoções, e transitar com precisão de um estado para o outro. Sem
crítica, não existe maturação do trabalho artístico. Mas, sem maturidade
emocional, não há boa crítica. A Carta a um Crítico Severo, do Deleuze, ainda é
tudo o que se poderia dizer sobre o assunto.
Numa sociedade contaminada pela
barbárie das banalidades, Medeia Vozes, a nova peça do Oi Nóis, nos oferece um
teatro radicalmente transformador e uma atuação inesquecível de Tânia Farias no
papel-título. Se você mora em Porto Alegre e nunca acompanhou um espetáculo do
grupo, saiba que é uma experiência obrigatória, um orgulho real para a nossa
cidade.
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