31 de outubro de 2013 | N° 17600
MARIO CORSO
Os sem-gravata
Sou avesso a rituais. Nada me
aborrece mais do que casamentos, formaturas, missa para qualquer coisa,
aniversários pomposos, tudo o que pede protocolo e roupa apropriada. Vou, mas
como gato no cabresto. Admito que sou um chato, que dificilmente entro na frequência
das emoções alheias. Pelo menos não estou sozinho, meu desconforto traz algo da
minha geração, ou pelo menos, parte dela. Deixem dizer algo em nossa defesa:
não se trata de misantropia gratuita.
Quem nasceu nos anos 50 e 60
viveu, fez, ou sofreu a revolução dos costumes. Depois dessa revolução, o mundo
nunca mais foi o mesmo. Graças a ela, a vida ficou menos hipócrita, mais
transparente, mais livre da opinião alheia. Mas num quesito esse movimento
tomou um rumo que não imaginávamos: os rituais. Pensávamos que eles iriam
declinar, que o importante era viver e não representar.
Nos anos 70 e 80, eles andaram em
baixa. Eu recusei a crisma, minha formatura foi em gabinete e, para os padrões
de hoje, meu casamento foi espartano. Mas voltaram redobrados, hoje temos
formatura togada de 1º e 2º graus... quiçá de jardim de infância. Qualquer
aniversário de criança é principesco, os casamentos são todos apoteóticos. A
simplicidade foi esquecida.
Para usar uma gíria antiga, o
mundo voltou a ser “careta”? Não creio, aliás, foi só nesse quesito que parece
que engatamos a ré. Questões sobre igualdade de gênero, ou melhor, a dissolução
das certezas sobre os gêneros seguem avançando. Para meu gosto, o mundo não é
lá grande coisa, mas está mais arejado. O que aconteceu então?
A minha geração não levou em
conta os avisos de Guy Debord quando escreveu A Sociedade do Espetáculo. Ele
abordava a espetacularização da política, e a mídia tratando tudo como um show.
Ora, o desdobramento disso para a vida privada é uma decorrência lógica desse
processo. Para o autor, a vida esvaziou-se de sentido e inflacionou-se de
imagens.
Creio que os rituais não
esmoreceram, e até ganharam mais prestígio, por fornecer essas imagens que
atestam que a vida acontece. Inclusive a palavra ritual nem deveria ser usada,
pois eles já não marcam uma passagem, não fazem uma descontinuidade na vida, um
antes e um depois diferentes. Talvez sejam feitos em uma dose mais forte até
para fazer valer algo que não consiste.
Minha geração se sente traída ao
ver essas cerimônias desmedidas e por isso fica tão mal-humorada quando nos
exigem a gravata. Eu já estou mais conformado, talvez esses eventos não estejam
esvaziados de sentido e, sim, sejam uma nova forma de experiência, nem melhor
nem pior, outra. O mundo segue, não vou deixar de viver as emoções de meus
amigos e familiares. Tento deixar de ser casmurro, já comprei as gravatas, mas
ainda não sei dar nó.
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