12
de outubro de 2013 | N° 17581
CLÁUDIA
LAITANO
Apesar de você
Você
é a favor ou contra cortarem árvores para alargar uma rua? A favor ou contra
derrubarem uma casa para construir um edifício? Devem ser reabertos os arquivos
da ditadura? Proibidas as máscaras nos protestos? Publicadas biografias não
autorizadas?
A
arena de debates públicos foi ampliada virtualmente ao infinito pela
capilaridade das redes sociais. Pode parecer apenas mais uma discussão banal
sobre um aumento de 20 centavos nas passagens, mas por trás de toda polêmica
que exalta ânimos e inflama espíritos há um conflito de visões de mundo, um
choque tectônico de ideias. Quase nunca é só pelos 20 centavos.
Como
nem sempre são evidentes todos os aspectos envolvidos em um debate – e como
poucas pessoas entendem de todos os assuntos, tirando Leonardo Da Vinci e
aquele seu amigo que dá palpite sobre tudo – é comum que fiquemos atentos à
maneira como diferentes pessoas em quem confiamos se posicionam antes de
formarmos a nossa própria opinião. O conceito de formador de opinião, porém,
mudou muito nos últimos anos. Hoje há formadores de opinião por todos os lados,
para onde você olhar, e talvez por isso mesmo seja cada vez mais difícil
escolher a quem vale a pena ouvir
Na
busca da iluminação cotidiana, gosto de prestar atenção em quem entende do
riscado: arquitetos para falar de arquitetura, médicos para falar de medicina,
juristas para falar de leis.
Mas
não basta entender do assunto. Para conquistar o meu respeito, é preciso
conseguir construir argumentos que voem além dos interesses da sua categoria.
Médicos a favor do Mais Médicos, jornalistas contra o diploma de jornalismo,
empresários dispostos a perder algum dinheiro: pode-se concordar ou não com
eles, mas ganham um crédito adicional de confiança por pensarem com a cabeça e
não com o bolso ou o coração.
Quero
que o formador de opinião seja coerente, mas se for dizer algo desatinadamente
oposto ao que disse antes, que reconheça isso, com humildade, porque mudar de
opinião, às vezes, é um sinal de inteligência e integridade.
Quero
ler opiniões que me surpreendam de vez em quando, porque o pensador
independente não se torna refém de inclinações políticas ou ideológicas – e
nada é mais triste do que ver pessoas inteligentes esforçando-se para tornar
plausível um pensamento torto apenas para justificar uma ideologia ou um
interesse particular. Ainda assim, quero o conforto de saber que certas pessoas
têm a capacidade de iluminar os caminhos mais tortuosos, invariavelmente
apontando para a trilha do que é justo, honesto, honrado, coerente.
A
polêmica desta semana envolvendo o grupo de artistas que defende restrições às
biografias não autorizadas talvez seja lembrada menos pelo assunto em si do que
pelo fato de ter colocado sob fogo cerrado dois dos nomes mais emblemáticos da
cultura brasileira.
Não me
importa que Caetano e Chico tenham opiniões diferentes das minhas – muitas
vezes tiveram, inclusive politicamente. O que é triste é ver que emprestaram
seu prestígio não a um princípio ou a uma causa maior do que eles, mas a
interesses restritos ao seu cercadinho. Pois, levado ao limite, o raciocínio da
proteção à privacidade torna impossível publicar qualquer coisa que contrarie o
interesse de qualquer pessoa – o que, vamos combinar, é muito parecido com
censura.
O
mais irônico é que justamente esse gesto pode vir ser a nota mais embaraçosa
das biografias dos dois – quando, “apesar de você”, elas forem escritas. E
serão.
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