22
de outubro de 2013 | N° 17591
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Basta uma pitangueira
Poeta
não é aquele que escreve livros, mas o que lê as pessoas. Tinha 13 anos. Estava
na varanda com a minha mãe. Naquela época, estudava de tarde.
Tomávamos
chimarrão tranquilamente. Em casa, o chimarrão sempre prevaleceu sobre o café. O
café é para acordar, o chimarrão é para sonhar.
Conversa
sobe ladeira, conversa desce ladeira e, de repente, um grupo de operários da
prefeitura desceu do caminhão na frente de nossa residência na Rua Lajeado.
Eles
iriam consertar um vazamento no bairro. Mas foi só atracar em terra firme que
eles se distraíram por um instante do serviço prometido. Enxergaram nossa
pitangueira carregada.
Largaram
as ferramentas destinadas a arrumar os encanamentos, e subiram nos galhos.
Um
bando de marmanjos pescando frutas, baixando as folhas, disputando quem pegava
a melhor, a maior, a mais carnuda.
Riam
alto, gesticulavam freneticamente, num alvoroço puro e crédulo, próprio da
amizade infantil. Um puxava o outro para trapacear e se exibir com seu punhado
de joias rubras.
Eram
crianças de novo, disfarçadas de macacão cor laranja.
Um pé
de pitanga tem esse privilégio: recuar o tempo.
Eu
festejava aquela doideira, aquele desatino, aquele recreio fora de idade, mas
minha mãe embrabeceu com a bagunça. Saiu ralhando:
– Ei,
ei, o que estão fazendo? Baixei o rosto de vergonha. A felicidade deles não
deveria incomodá-la. Antecipei o vexame, o fiasco, a reprimenda adulta.
Não
poderiam se divertir trabalhando? Não poderiam ter um minuto de paraíso no
inferno das picaretas? O bando silenciou no ato, temendo a represália daquela
senhora tão senhora de si.
A mãe
endureceu a voz e explicou: – As pitangueiras da rua são para os pássaros. Eles
recolheram as mãos, colocaram as pitangas no bolso e já se dispersavam. Foi
quando a mãe completou:
– Mas,
se vocês se sentem pássaros, aproveitem!
Não
esquecerei nunca daqueles homenzarrões gargalhando e voltando a depenar a
pitangueira. Com a alegria das asas que
só existe no nosso sorriso.
Um pé
de pitanga tem esse privilégio: recuar o tempo.
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