18 de outubro de 2013 |
N° 17587
DAVID COIMBRA
Gostar de quem não gosta de
mim
Eu e o meu amigo Nique, as nossas
irmãs se chamavam Silvia. Chamam-se ainda, mas falo no passado porque essa
história aconteceu quando eu e o Nique tínhamos uns 11 anos de idade, e as
nossas irmãs nove.
Deu-se que eu namorava a irmã
dele, a Silvia Lemos, e ele a minha, a Silvia Coimbra. Namorar, maneira de
dizer. Afinal, nós tínhamos 11 anos e elas nove, e naquele tempo a criançada
não via a Maria Casadevall deitada de bruços com-ple-ta-men-te nua na novela
das nove, e isso de sexo era algo muito mais misterioso.
Então, o nosso namoro era pegar
na mão e dar voltas pelo bairro lado a lado, e nada mais. O que não me impedia
de estar melecadamente apaixonado pela minha Silvia. Eu a amava. Sim. Queria
passar todo o tempo com ela.
Uma vez, eu e o Nique economizamos
algum vendendo jornal e garrafa e conseguimos comprar uma bola em sociedade.
Uma linda bola número 5 costurada à mão por algum presidiário. Todas as tardes
íamos jogar lá no Alim Pedro. Só que, quando chegava a noitinha, queríamos ver
as nossas pequenas. Um problema, porque os outros guris não queriam, de jeito
nenhum, parar o joguinho. Assim, traçamos um plano: um de nós, eu ou o Nique,
chutava a bola para longe, na direção da Industriários, e saíamos os dois
correndo para pegá-la. Então, colhíamos a bola do chão e seguíamos correndo
para casa, com o resto dos dois times atrás de nós, gritando a bola!, a bola!
Fazíamos tudo pelo amor.
Uma noite daquelas, depois do
jogo e de tomar banho, eu e o Nique resolvemos fazer uma surpresa para as
nossas coisinhas. É que nós sempre íamos para uma das nossas casas ler gibi e
ouvir música pela Itaí, A Dona da Noite. Era o ponto alto do namoro. Mas
naquela noite fizemos algo especial: fomos ao orelhão da esquina, ligamos para
a rádio e oferecemos uma música para elas. Cara, até hoje lembro da nossa
expectativa, enquanto o locutor não citava os nossos nomes. As gurias começavam
a falar alto e nós:
– Peraí, só um pouquinho, escuta
o que o cara da rádio tá falando.
Uma delas queria ir ao banheiro e
nós:
– Agora, não. Espera um pouco.
Vamos ouvir aqui o rádio...
E o desgranido não falava nunca.
Nós naquela tensão, o programa chegando ao fim, as gurias impacientes, já
querendo ir para a cozinha comer ambrosia, e nós espera um pouco, vamos ouvir
mais o rádio, peraí...
Até que ele falou:
– E agora... Agora, o David e o
Nique oferecem para suas gatinhas, as Silvias... de Hyldon, Na Rua, na Chuva,
na Fazenda.
E...“Não estou disposto. A
esquecer seu rosto de vez
E acho que é tão normal...” As
gurias: – Uóóóóó...
Desmontaram-se de amor. E, pela
primeira vez, nós ganhamos beijos de verdade. No rosto. Mas de verdade.
Dizem que sou louco por eu ter um
gosto assim, gostar de quem não gosta de mim. Obrigado, Hyldon.
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