17 de outubro de 2013 |
N° 17586
MARIO CORSO
Oráculo de Delfos
No mundo grego antigo, histórico
e mitológico, os impasses se resolviam consultando um oráculo. O mais famoso
foi o de Delfos. De lá, por uma boca humana, mas inspirada por Apolo, saíam os
vaticínios que resolviam as questões.
Calhou poder visitar Delfos.
Sério, escrevo desde a Grécia. Tenho uma antiga paixão pela cultura helênica,
devo ter sido batizado com água benta fora da validade, minha reverência ao
sagrado sempre foi pagã. Quis o destino (já que estamos no tema), que saísse um
safári cultural para cá com um bônus extra. Vim com o amigo, exímio caçador de
mitos e domador de histórias, Cláudio Moreno.
Infelizmente, os deuses
abandonaram Delfos, mas as marcas da sua passagem foram o suficiente para me
deixar comovido. Ainda existe engastado nas pedras das ruínas resto de uma
força mágica perturbadora. Os gregos acreditavam que lá era o umbigo do mundo,
a visita me fez concordar.
Quando ficou certo que a viagem
sairia, comecei a brincar com os amigos: inquiria o que eles queriam que eu
perguntasse ao oráculo em seu nome. Alguns, que entravam no jogo, revelavam o
que de mais sério os afligia: devo ficar com fulano? Sigo nesse curso, ou vou
fazer o que gosto? Ainda dá tempo de largar esse emprego chato e fazer outra
coisa legal? E assim por diante.
Nada do que eu não esteja
acostumado. A psicanálise tem muito de oráculo. Afinal, é assim que muitos
pacientes nos chegam, numa encruzilhada, precisando de orientação. Claro, eu e
meus colegas psi não somos guias. De fato, não sabemos o que é melhor para ninguém,
mas ajudamos a suportar a dúvida, propiciamos o tempo e o diálogo necessários
para pensar juntos saídas para o impasse.
O oráculo faz pose de quem indica
o caminho, mas, se formos examinar as suas mensagens, vemos que sempre foram
enigmas, charadas, frases oblíquas que podem ser lidas de qualquer forma. Cabe
a quem o consultou interpretar o que lhe é dito. Voltamos ao ponto inaugural: a
verdade não está fora do sujeito. Há uma solidão incontornável quando lidamos
com nossos desejos e indagações. Ninguém pode nos poupar de escolher uma
direção e ser responsável por esse passo.
Mas não é essa a essência do
humano: atravessar a vida em busca de respostas? Se não vendemos a alma para
algum discurso que promete a verdade, passamos a existência pastoreando incertezas.
No que ajuda então um oráculo?
A questão, difícil de entender
num primeiro momento, é que quase sempre a pergunta é mais importante do que a
resposta. São as dúvidas que nos movem, mais do que as certezas. Essas
raramente chegam e nem por isso deixamos de viver, aliás, exatamente por isso
seguimos nosso curso. A certeza é terminal, fecha questões.
Só a humildade da ignorância é
vital. Avança no território da existência quem sabe circunscrever melhor o seu
impasse, quem intui o que quer saber, quem pondera as vantagens e desvantagens
de cada caminho. A bússola da vida são as boas perguntas. Os oráculos e seus
sucedâneos, incluindo os psicanalistas, têm a sabedoria de apenas relançar a
questão para que a aprimoremos.
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