20
de outubro de 2013 | N° 17589
MARTHA
MEDEIROS
As
duas chegaram na minha frente rindo muito, felizes da vida. Eu, sentada atrás
de uma mesa, tirei conclusões apressadas: são irmãs, são amigas de infância, são
colegas de trabalho, talvez até namoradas. Autografei o livro para uma,
autografei depois o da outra, que eu estava ali a trabalho. E elas se
cutucavam, cochichavam, tiravam fotos juntas, não se desgrudavam.
Me
surpreendi com aquela alegria tão refrescante, já que o óbvio seria encontrá-las
esmorecidas, ambas estavam há mais de uma hora numa fila que andava a passos
lentos. A morosidade não era culpa minha, e sim da situação, mas mesmo assim me
desculpei e agradeci: obrigada por esperarem tanto. Imagina, em que outro local
teria conhecido aqui a Adriana? Filas são ótimas para fazermos novas amizades. E
saíram as duas rumo ao primeiro chope de suas vidas agora interlaçadas.
E já
que tudo está interlaçado, no dia seguinte mesmo recebi um e-mail com uma
sugestão de texto de uma senhora que não era nenhuma daquelas duas moças, mas
que também havia feito uma amizade em uma fila: “Escreva sobre essa conspiração
do destino: pessoas que se conhecem enquanto aguardam ser atendidas”.
Eis-me
aqui cumprindo ordens.
Não
odeio filas porque não odeio nada, mas não é um acontecimento pelo qual eu
anseie. Fila, para mim, é a representação máxima da perda de tempo, e tempo é algo
que valorizo mais do que pérolas, jades, rubis. Não escapo de enfrentá-las em
bancos, cinemas e em sessões de autógrafos de amigos escritores, mas não
recordo de ter feito alguma nova amizade durante a espera. Ou fiz?
Sim,
conversa-se em filas. Ainda mais se a fila for demorada e provocar queixas: dois
irritados é o começo de uma rebelião. Tem uma rede de supermercado na cidade
que me deixa com os nervos destruídos, quase já não a frequento, só em raríssimas
ocasiões para comprar dois ou três itens urgentes, e mesmo assim ele desafia
meu espírito budista com seus poucos caixas abertos, seus funcionários mal
treinados, seus carrinhos abandonados no estacionamento, suas sacolas plásticas
que não resistem até a chegada em casa.
Nem
mesmo o cartaz avisando que agora existe um gerente (virtual) adianta grande
coisa. Então, na inevitável fila que se forma, viramos todos clientes
guerrilheiros a fim de ver sangue. Não inauguramos ali amizades fraternas, mas
ter uma raiva em comum já é um elo.
Desviei
do assunto. Era para eu ter falado de pessoas que se tornam amigas de infância
durante uma conversa em pé, aguardando pacientemente para realizar sua meta. Conclusão?
Até das chatices se pode tirar algum proveito. As filas tornaram-se o novo bar –
em frente dos quais, aliás, elas se formam também, longas, animadas,
fervilhantes, não raro sendo a principal razão de se ter saído de casa.
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