19
de outubro de 2013 | N° 17588
NÍLSON
SOUZA
Poeira de
liberdade
Dona
Evani, viúva e já tendo dobrado a curva dos 60, resolveu sair por aí, depois de
40 anos cuidando da casa, do marido e dos filhos. Pegou a chave do carro, a
bolsa e dinheiro suficiente para uma viagem sem destino definido por este
Brasilzão de tantos lugares bonitos e também de tantos riscos.
Como
não avisou ninguém do que pretendia fazer, até mesmo porque não tinha um plano
estabelecido, o caso acabou na polícia, como registro de pessoa desaparecida.
Logo ela apareceu para dizer que estava bem e que seu único objetivo era
livrar-se de amarras afetivas, da rotina e das limitações de uma vida inteira
como dona de casa em Passo Fundo:
– Só
conhecia até Marau – justificou-se, numa espécie de desabafo de quem passou
quase meio século obedecendo, aceitando, se conformando.
Ao
assumir o protagonismo de sua existência, ela provocou estranhamento. Em tempos
de mídias sociais, sua história aparentemente simples ganhou repercussão
nacional e se transformou em referência para outras pessoas. Todos nós ansiamos
por essa tal liberdade, que atrai e assusta ao mesmo tempo. Drummond sintetizou
bem essa ansiedade: “A conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira, que,
por medo da bagunça, preferimos, normalmente, optar pela arrumação”.
Pois
dona Evani resolveu chutar o balde da acomodação e conquistou fãs,
especialmente depois de revelar que sua atitude envolvia também uma espécie de
desagravo pela ingratidão familiar. Foi verdadeiramente ovacionada na internet,
elogiada pelo destemor e apoiada irrestritamente pelas mulheres. Entre os
comentários que li, apenas uma adolescente manifestou certa preocupação:
–
Putz! Tomara que minha mãe não tenha a mesma ideia – escreveu.
Mas
não há como não aplaudir a audácia e a sinceridade da jovem senhora, que expôs
com extrema franqueza sua fuga da solidão. Sim, é disso que se trata. Sob a
poeira dessa pequena aventura, parece estar o temido fantasma dos grisalhos,
que é o abandono das pessoas no asilo simbólico da maturidade. Solidão! – diz
poeticamente Jorge Drexler. – Aqui estão minhas credenciais. Pode-se completar:
mais de 60, viuvez, filhos crescidos, parentes preocupados com suas próprias
atividades. Ficar em casa esperando o quê?
Dona
Evani saiu em busca de uma vida mais emocionante e divertida. Assim é fácil,
dirão os descrentes, ela tem carro, habilitação e dinheiro na bolsa. Verdade.
Mas sem o combustível da coragem ela não teria passado de Marau.
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