segunda-feira, 28 de outubro de 2013


28 de outubro de 2013 | N° 17597
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Cícero

O melhor livro sobre a velhice é de Cícero. Aliás, o título é este mesmo: A Velhice (De Senectute). Escreveu-o há dois mil anos, e, se resiste ao tempo, é porque ainda diz algo às pessoas. Esse prestígio decorre da naturalidade e da simplicidade de seus argumentos, que radicam nas experiências do autor quando confrontado com seu próprio envelhecimento.

Para entendê-lo, temos de considerar a época em que foi escrito. Não havia nada do que nos cerca, nem cabe enumerar as criações na área da ciência e da tecnologia que transformaram o mundo num espaço de conforto – para os que dele podem desfrutar, evidentemente.

Imaginemos um mundo sem comunicações instantâneas, e um mundo em que a doença, qualquer doença, era a antessala da morte. Um mundo, também, em que pessoas de 40 anos podiam considerar-se felizes por terem chegado a essa idade. Fazia sentido falar em velhice num momento em que hoje a pessoa está no máximo de sua capacidade.

Cícero utiliza um método retórico atraente: formula argumentos contra a velhice e os responde. Em geral, são as queixas habituais dos velhos (nisso não mudamos nada). Os velhos, diz ele, queixam-se da perda da memória – certo, diz Cícero, mas até hoje eu não soube de algum velho que se tenha esquecido de onde enterrou o seu tesouro (sim, não havia bancos). Sem o querer, Cícero vem apoiar os estudos atuais sobre o fenômeno: as questões relevantes permanecem na memória, a qual sabe livrar-se do supérfluo.

Que o diga o nosso Dr. Ivan Izquierdo, um dos melhores cérebros do nosso país. Mas Cícero apresenta outra queixa dos velhos: a da perda da capacidade que ele tinha nos tempos da juventude. Claro, diz Cícero, há perdas, sim, mas ninguém espera que um velho faça coisas que fazia quando jovem, não é mesmo?

O autor romano faz outras considerações importantes, e destas a mais valiosa é: devemos aprender a ser velhos logo, para que desfrutemos por mais tempo da velhice. Essas palavras podem soar estranhas para os dias de hoje, de franca invisibilidade do velho na vida social, exceto pelas filas de atendimento expresso, ou pela precedência na hora de embarque num avião.


Talvez nosso mundo ainda não saiba bem o que fazer com os velhos, e confere-lhes algumas vantagens simbólicas, que são úteis enquanto não acontece a plena integração. Mas chegaremos lá.

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