06 de outubro de 2013 |
N° 17575
MARTHA MEDEIROS
Tão óbvio
É que normalmente o óbvio fica
soterrado sob camadas e mais camadas de auto boicotes: as pessoas se irritam
por besteiras, fazem escolhas idiotas, brigam no trânsito, não se abrem sobre o
que sentem, desperdiçam energia à toa, desrespeitam o coletivo e são
refratárias a tudo que seja simples e fácil, já que a dor, a culpa e o ódio faz
parecer que elas têm uma vida mais profunda.
Felicidade é algo que todos
desejam e ao mesmo tempo renegam, já que não saberiam lidar com algo que lhes
deixaria tão soltos e leves. Com péssimo ibope junto aos intelectuais, a
felicidade (que nada tem a ver com bobice, mas com paz de espírito) ficou
associada à superficialidade, enquanto que o sofrimento produz arte e
filosofia.
Sob esse aspecto, óbvio que ser
um deprimido é mais charmoso.
Pena que isso seja um
estereótipo. Ora, filosofia busca a consciência, que é chave para a felicidade,
e a arte faz um bem danado a mentes atormentadas, que através dela conseguem
realizar catarses e se conectar com um mundo que lhes parece hostil. Ou seja,
não importa quem ou de que forma, todos querem viver melhor, sem esquecer que
esse “melhor” tem sentidos diversos para uns e para outros. Seja qual for o
significado de “melhor” pra você, ele é a sua perseguição. Só que alguns
escolhem vias cheias de obstáculos e acabam não aproveitando a viagem.
O bem-estar vem de onde? Óbvio:
da convivência com amigos, de relações saudáveis, de não permitir que
frustrações e ressentimentos virem a tônica da vida, de não reagir com exagero
diante de insignificâncias, da valorização das miudezas grandiosas do
cotidiano, de sentir-se disponível para o novo e o diferente a fim de
enriquecer a própria existência, mantendo uma espiritualidade básica que
envolva a generosidade, a compaixão, a tolerância (não é obrigatório ter
religião pra isso).
Mais: de aceitar as mudanças, de
trocar de perspectiva quando se estiver obcecado com algo, de buscar a evolução
da mente.
Inventei a pólvora? Estou dizendo
alguma coisa que você já não esteja careca de saber? É tudo tão evidente, tão
incontestável, que dá até sono. O que você ainda está fazendo lendo essa
página? Acorde e vá pra rua.
Aí você sai e cruza com centenas
de outros cidadãos para quem o óbvio é uma teoria sem aplicação prática, e que
continuam encrencando-se de forma absurda, a fim de voltarem para casa
estressados e sentindo-se vítimas do próprio destino. Charmosos, sem dúvida.
Resta saber a que custo pessoal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário