13 de outubro de 2013 |
N° 17582
O CÓDIGO DAVID | DAVID
COIMBRA
AQUELA MÚSICA DO PETER
FRAMPTON
Ela se chamava Silvia. Poderia dizer seu sobrenome, é
um bonito sobrenome, mas vai que a família não goste. Às vezes você quer
homenagear alguém com uma citação numa crônica e acaba despertando suscetibilidades
impensadas. Então, digo só o primeiro nome.
Silvia. Uma morena bonita, a pele
da cor do caramelo, o belo rosto sempre radiante, sempre sorridente. Era a
menina mais bonita do colégio, o Piratini, ali na Eudoro. Como todos os outros,
achava-a linda, mas a minha adorada secreta era outra, uma magrinha de cabelos
encaracolados chamada Janice, que nunca me deu realmente bola, só que um dia...
Não. Estou tergiversando. O que importa agora é a história de Silvia.
Silvia.
Tinha a impressão de que fosse
rica. Ou que vinha da nobreza, algo assim. Devia ter piscina em casa, essas
coisas. Todos os caras, inclusive os mais velhos, da 3ª série, a assediavam.
Por isso, fiquei muito surpreso quando ela me convidou para a festa do seu
aniversário de 15 anos. Nós mal nos falávamos... E eu era tão insignificante.
Será que ela tinha convidado a aula inteira? Acho que não. Bem, preferia achar
que não. Em todo caso, considerei o convite uma honra.
No dia da festa, sábado, me
enfeitei todo e fui. Tomei o ônibus da Carris que vinha pela Assis Brasil e
subia a Plínio. Desembarquei na Praça Dom Feliciano. A festa era na Casa de
Portugal, João Pessoa abaixo. Lembro de como caminhei sozinho pela avenida,
cheio de expectativa com a festa. Será que a Janice estaria lá?
Não lembro se estava. Lembro de
uma festa que, para mim, foi suntuosa. Lembro que Silvia estava muito linda e
muito alegre, ela que de normal era alegre. E lembro de um cara do 3º ano, um
cara mais velho que namorava ou tinha namorado a Silvia, sei lá.
Ele havia bebido demais.
Sentou-se ao meu lado e começou a falar da Silvia. A Silvia na outra ponta do
salão, circulando radiante entre os convidados, espargindo seu encantamento.
Nós olhávamos para ela, à distância. O cara falava dela com a boca mole, muito
apaixonado, um pouco ressentido.
Então, começou a rolar um Peter
Frampton. Shadows grow so long before my eyes... Era o som do momento. As
pessoas começaram a se agitar para dançar. O cara, sentado ao meu lado,
suspirou.
– Essa música é a nossa música –
disse. – Minha e da Silvia. A nossa música...
Suspirou de novo.
As meninas adoravam o Peter
Frampton. Ele tinha uma cabeleira loira e tocava de camisa aberta ao peito. No
ano seguinte, sofreu um grave acidente de carro. Nas Bahamas, acho. Depois
daquilo, meio que sumiu. Uh, baby, I love your way... O cara bebia e
balbuciava, olhando para a Silvia:
– Nós sempre dançamos essa
música. Sempre. Só nós... A Silvia só pode dançar essa música comigo. Só
comigo. Ela jamais dançaria essa música com outro. Nunca! Jamais!
E, como se o ouvisse, a Silvia,
lá do outro lado, avançou sua morenice luminosa para o centro da pista de
dança. Caminhava de mãos dadas com um rapagão, talvez um outro sujeito do
colégio, não sei, só sei que, sempre sorrindo, sempre feliz, ela seguiu com ele
até o meio do salão, cingiu-lhe os ombros com seus braços cor de cuia e pôs-se
a dançar. Uh, baby...
Olhei para o cara ao meu lado.
Ele olhava a cena e gemia, com o copo na mão.
Silvia. Uma morena capaz de fazer
um homem gemer sem sentir dor. Escrevi sobre ela certa feita, já faz tempo, e
ela entrou em contato comigo. Estava alegre, como sempre. Gostou do que
escrevi. Falou da sua vida. Não lembro bem, acho que morava em Santa Maria, era
professora e havia engordado muito, a ponto de querer fazer cirurgia. Será que
é isso? Seja como for, estava bem. Silvia sempre estava bem. Até que, mais
tarde, alguém veio do passado e me contou que ela morreu. Fiquei triste, mesmo
que não a visse há tanto tempo. Silvia era dessas pessoas que tornavam a vida
colorida.
Ainda vou escrever sobre todas as
músicas que, de alguma forma, marcam minha memória. Peter Frampton sempre me
faz lembrar de Silvia, faiscante e dona do mundo em seus 15 anos de idade.
Silvia, como pode ter desaparecido tão jovem? Silvia, não é verdade que deusas
não morrem?
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