terça-feira, 22 de outubro de 2013


22 de outubro de 2013 | N° 17591
PAULO SANT’ANA

Lugares da infância

Eis-nos aqui, minha bengala amparadora, para uma visita que fiz anteontem àquele lugar da infância, nas imediações do atual Presídio Central, no Partenon.

Eis-me aqui, vencido e vencedor nos atropelos da vida. Cuidei de ter a esperança de encontrar a casa em que vivi com meus pais e irmãos. Santa ingenuidade, nem há escombros daquela casa que povoei de sonhos na infância decorrida entre tantas correrias e tonteiras.

Tinha esperança de encontrar pelo menos tocos de troncos dos três coqueiros que lideravam a paisagem da minha casa aos que dela se aproximavam.

Nada. Nada. Só brumas de um passado distante e idolatrado.

A recordação desse lugar é a única fortuna do meu pobre coração.

O casario de baixa mediania toma agora conta do lugar. Será que os habitantes dessas casas fazem ideia de quanto pode ter sido ao mesmo tempo feliz e atribulada a minha infância nessas cercanias?

Ali embaixo, depois de um valo, era o campinho onde jogávamos pelada, ora com bola de meia, ora com alguma bola de borracha com que alguém nos acudia para as grandes e inesquecíveis jogadas que entremeavam nossos dribles.

Mais adiante, depois da casa do seu Vicente, que fazia doces em calda para vender para a soldadesca brigadiana, não existe mais a lomba de grama em que brincávamos de regata, uma diversão que a nossa imaginação infantil criou e consistia em descermos o grande declive sentados em tábuas deslizantes.

Mais abaixo, quase na Rua Veiga, havia um taquaral repleto de pássaros, entre eles até cardeais havia.

E na beira do taquaral colocavam, o Roni e seus irmãos, uma mesa de pingue-pongue em que treinavam. Eles conseguiram até títulos nacionais nesse esporte.

Tenho o pressentimento sinistro – deve ser uma bobagem – de que nunca mais voltarei a esse lugar da velha casa de meus pais erigida no campo, estranho, era um campo dentro da cidade.

Lá adiante, na Avenida Aparício Borges, passavam rápidos os raros carros do tráfego ralo daquele tempo.

O automóvel era uma abstração para nós, um sonho distante, filhos que éramos de pais pobres em torno daquele recanto nas fraldas do Morro da Polícia.

Bastava caminhar uns 800 metros, nas Semanas Santas, para colhermos macela, que trazíamos para casa, e é estranho que nunca virassem chá para cólicas.

Que lugar paradisíaco era aquele para nossos folguedos! E olhem que nem eu nem os garotos dos arredores nunca tivemos o privilégio de montar numa bicicleta, talvez algum afortunado garoto do lugar ganhasse no Natal um triciclo.


Como foi pobre a minha infância. Como são dignas de pena as criancinhas pobres. Embora elas nem se deem conta disso e pareçam tão alegres.

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