ANTONIO
PRATA
Diário da paternidade II
Até os
três meses era claro, minha filha me notava só como um assistente, um estagiário
da mãe
Ontem,
às 4h17 da madrugada, ninando minha indômita filha pelo quarto, cheguei à seguinte
imagem: é como se eu fosse um patinador no gelo, dando volteios em câmera
lenta, agarrado a uma tainha de cinco quilos que se debate em fast-forward. Quando
ela finalmente dorme no meu colo, contudo, a coloco no berço e volto para o
quarto, me sinto como o Amyr Klink retornando ao lar depois de ter sido o
primeiro homem a atravessar o Atlântico num barquinho a remo. Momentos tétricos,
momentos épicos.
Ter
filho te insere, imediatamente, no entusiasmadíssimo clube dos que têm filhos. Um
clube que você até sabia que existia, mas para o qual não dava a menor bola. É algo
assim como, de uma hora pra outra, passar a torcer pra Portuguesa --na atual
fase da Portuguesa.
Lusa!
Lusa! Lusa!
Às
vezes, na rua ou no mercado, percebo que homens ou mulheres com criança de colo
estão com medo de mim. É que lhes lancei meu olhar "eu-também-tenho-uma-filha-recém-nascida-eu-sei-o-que-é-isso-que-coisa-mais-linda-que-coisa-mais-doida-parabéns-por-atravessarem-o-Atlântico-todas-as-noites-tamo-junto-Lusa-Lusa!".
Infelizmente, a se julgar pelas respostas faciais, toda a intenção do meu olhar
se perde em algum lugar entre o córtex e as retinas, me deixando apenas com
essa expressão de tarado ou maníaco religioso louco de ácido prestes a, sei lá,
lamber alguém.
Quantos
rostos têm um bebê? Olivia espicha o pescoço, é Audrey Hepburn, retrai, é John
Goodman --e eu nunca tinha reparado que o John Goodman podia ser tão lindinha. Numa
mesma foto, ela parece a minha irmã ao nascer, meu avô paterno aos 80 e sua
prima Nina, de 5. O mais legal, no entanto, é quando a olhamos e falamos:
"Agora ela não parece ninguém, agora ela tá com cara de Olivia".
Outro
dia fomos ao pediatra e tive que preencher uma ficha. Vi lá "Nome do pai"
e já saí escrevendo: "Mario Alberto Campos de Moraes Prata". Levou
uns cinco segundos para eu entender que o pai era eu. Pensando bem, talvez
ainda não tenha entendido. Terei que preencher mais algumas fichas até que a
ficha caia de vez.
Semana
passada, Olivia fez 3 meses: nossas olheiras aparentam 300 anos; nossos corações
rejuvenesceram 30 --e não são à toa os múltiplos de 3.
Durante
três meses eu fui apenas um assistente desqualificado. Olivia chorava, eu
chegava pra socorrer e, do fundo do berço, ela franzia a testa: "Saco,
mandaram o estagiário...". Mas, para minha felicidade, após 90 dias tudo
mudou: eu chego, ela sorri. Minha filha finalmente se deu conta da existência
do seu pai! (Ou, talvez, só tenha começado a achar graça deste desengonçado
estagiário da mãe.)
Agora,
com licença: o Atlântico me chama e, pelo rugir das ondas, não está nada pacífico.
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